Vida dura de Cavalieri: jogar atrás dos zagueiros e volantes tricolores. (foto: EFE) |
Finalmente chegou o dia do grande jogo. A angústia da espera esvaiu-se quando parti para o Engenhão.
Após a exibição de gala na Bombonera, passei a imaginar a repetição de outra noite de pura magia, semelhante aquela do Maracanã quando a atuação soberba de um Fluminense encantado desbancou o até então carrasco de clubes brasileiros.
Sim, porque depois da derrota para o Santos de Pelé nos idos de 1963 até a data mágica de cinco de junho de 2008, o Boca Juniors vinha destroçando um a um os brasileiros que encontrava pela frente.
Foram dez eliminações na Libertadores, sendo que em sete os argentinos venceram os brasileiros em seus próprios domínios e destas quatro em finais, onde Cruzeiro, Palmeiras, Santos e Grêmio viram ruir seus sonhos de ganhar as Américas.
E foi imbuído dessa certeza que parti para o Engenhão, confiante em outra jornada inesquecível.
No longo percurso até o estádio via tricolores espalhados pelas ruas. Carros, ônibus, metrô e trens repletos de seres felizes e abençoados pelo simples fato de serem tricolores, tricolores verdadeiros, apaixonados pelo melhor clube do mundo.
Após o tradicional e insidioso périplo até o estádio já se podia sentir a pulsação de todos que se amontoavam nas catracas, ávidos por alcançar um bom lugar nas arquibancadas.
E à medida que o tempo passava os lugares iam sendo tomados pela multidão unida em um só pensamento: a vitória.
E quanto mais perto chegava a hora da bola rolar, o Engenhão tornava-se cada vez mais bonito. Não tinha a imponência do Maracanã, aliás, nenhum estádio no mundo a possui, mas a presença maciça dos tricolores até que o tornavam menos feio e desajeitado, charmoso até.
Olhei para o placar e conferi a escalação tricolor. Leandro Euzébio, Edinho... Foi o bastante para me transportar para 2008. Só conseguia lembrar de Thiago Silva, Arouca, Cícero... com esses três no time de hoje o título já estaria no papo.
Foi o primeiro sinal de preocupação porque se o volante não vinha jogando nada quando bem fisicamente, o que esperar dele entrando à meia bomba?
Vi com bastante clareza em minha mente a passagem de filme semelhante ao ocorrido em 2008. Abel protege Edinho, o seu pupilo preferido, do mesmo modo que Renato Gaúcho fazia com Ygor. Concluí que o Edinho de hoje é o Ygor de 2008 e um misto de preocupação e até certo temor começou a assolar meus pensamentos, que logo se dissiparam com a entrada triunfal da equipe.
Duas mil e quinhentas bandeiras, que haviam sido distribuídas para saldar a equipe na entrada em campo e em momentos de comemoração, foram desfraldadas. Afinal temer o quê se tínhamos o Deco, o Fred, a grata surpresa Wellington Nem, o Thiago Neves, o remanescente da jornada heroica e o Cavalieri, agora em grande forma.
Além disso, a mídia mulamba, provavelmente com o intuito de diminuir a importância da vitória tricolor em Buenos Aires, já havia decretado a falência do Boca Juniors atestando a fragilidade de sua equipe atual quando comparada com as do passado.
Ingenuamente passei a comungar desse pensamento e passei a achar que a vitória viria normalmente.
E o jogo começou e o martírio também.
E como havia pressentido, logo no início Edinho confirmou o mau presságio em quatro tentativas de saída de bola ao errar os passes e propiciar oportunidades de ataque aos adversários, que felizmente não conseguiram dar sequência às jogadas.
Sabendo da fragilidade da defesa tricolor, a equipe argentina cuidou de marcar seus principais jogadores e ficar no aguardo de mais lambanças para dar o golpe fatal.
E não precisou esperar muito porque aos trinta e quatro minutos Leandro Euzébio, de modo bisonho, cabeceou para trás e serviu ao bom atacante Cvitanich, que ganhou de Diguinho e assinalou o primeiro gol.
Diguinho poderia ter tentado o penalti como último recurso, mas por já ter recebido amarelo ao distribuir botinadas inconsequentes, desistiu do intento para não ser expulso.
A vantagem facilitou a estratégia do Boca que se entrincheirou a espera de novas falhas para se aventurar ao ataque.
O Fluminense continuava com o domínio aparente da partida, mas muito apático parecia anestesiado, talvez acreditando também nas baboseiras propaladas sobre a fragilidade do Boca.
Afirmar que houve “salto alto” seria uma afirmação leviana demais, mas o fato é que faltou aquela garra presente em tantas ocasiões. Ao observar os chutões descalibrados todos os presentes, por mais incrível que possa parecer, sentiram saudades da vibração de Valência, Digão e também de Gum, que nem sei se está inscrito para essa fase da competição.
Nossos atacantes tentavam sem a inspiração de antes. Wellington Nem serviu a Fred com grandes chances de marcar se chutasse de primeira, mas o atacante tentou ajeitar e perdeu; Carlinhos quase acertou o gol num cruzamento estranho.
O segundo tempo foi mais nervoso, embora igualmente apático.
Abel reconheceu a mancada e substituiu Edinho por Jean. Para seu azar, o que deveria ser a solução acabou se transformando na consolidação da derrota, quando Jean com autêntico “pé de moça” deixou a bola à feição para Sanchez Miño marcar o segundo. Pelo menos tentou e se tiver juízo não deverá mais utilizar o seu queridinho na equipe principal, pelo menos até que ele volte a ter desempenho semelhante ao que tinha no Internacional.
O esquema de jogo, se é que isso pode ser chamado de esquema, mantinha a equipe trocando passes em sua intermediária, mais ou menos com havia feito contra o Zamora, esperando a hora de dar o bote.
Só que do outro lado estava o Boca Juniors, time matreiro e já com a vantagem recebida de presente.
A situação piorou quando Fred sentiu a coxa e foi substituído por Rafael Moura.
Aí ficou evidenciada a falta de criatividade, a mesmice, sei lá, do treinador. Parece que ele possui uma tabelinha de substituições. Sai Fred, entra Moura; sai Nem, entra Sobis e assim por diante.
Rafael Moura não está em boa fase. Ele mesmo já declarou isso, enfatizando ainda que não só tecnicamente, mas também psicologicamente pela perda de uma tia querida.
Então, por que insistir com ele no momento? E pior ainda, por que dar a ele a responsabilidade da cobrança de um penalti numa situação estressante como aquela?
Essa resposta Abel ficará devendo aos tricolores.
Ao final da partida, Abel declarou que não houve desleixo nem soberba e que o Boca foi exatamente o que o Flu havia sido na Bombonera. Comparou os estilos de jogo ao dizer que o adversário aproveitou os dois contra ataques que teve, do mesmo modo que o Fluminense teve lá.
Só esqueceu-se de dizer que os de lá foram criados por jogadas de nossos craques e os daqui por falhas bisonhas de zagueiros e volantes com categoria inferior ao que seria lícito esperar daqueles que envergam a tradicional camisa tricolor.
Completou ainda com a pérola de que “hoje não temos que lamentar nada. O Boca jogou melhor, quase não tivemos chances de gol e que uma derrota para o Boca Juniors, em casa, é um resultado normal”.
Poderia até ser, desde que o Fluminense apresentasse um futebol digno e não uma pantomima como a presenciada por mais de trinta e seis mil frustrados torcedores.
Abel continuou dizendo não ser normal em um grupo desses, considerado difícil, ter 100% de aproveitamento e que perdemos quando podíamos perder. Pior seria se tivéssemos que ganhar o último jogo lá na Argentina, diante do Arsenal, o que não acontece porque já estamos classificados.
Que declaração tosca, abstraiu-se de que agora a vitória sobre o Arsenal é o único modo de conseguir o primeiro lugar do Grupo e como consequência enfrentar adversários mais fracos nas primeiras fases dos jogos “mata-mata”. Ou será que ele pensa que existe alguma possibilidade do Boca não derrotar o Zamora na Bombonera?
Nem, o oasis em meio ao deserto tricolor. (foto: Dhavid Normando) |
As palavras de Wellington Nem resumem bem melhor o sentimento de toda a Torcida Tricolor e deveria servir de exemplo para os demais e para reflexão do treinador:
_“Fizemos uma atuação abaixo da média. Não conseguimos fazer o que vínhamos fazendo. Não sei o que aconteceu. A gente deu mole e saiu com a derrota. Temos que mudar a postura, entrar com mais vontade para sair com a vitória”.
Merece destaque ainda que depois dessa apresentação patética os promotores da Festa das Bandeiras desitiram de recolhê-las, ao contrário do que haviam divulgado nas instruções distribuídas à entrada do estádio.
E o Abel não está nem aí para mais um vexame, causado em grande parte por culpa sua.
Que os deuses do futebol iluminem a sua cabeça dura!
E apesar de tudo,
DÁ-LHE FLUZÃO!
Um comentário:
Belo texto.
O que incomodou foi ver os mesmos comentaristas de resultados dizendo que "o Boca engoliu o Flu" e outras idiotices de mesmo quilate.
Se a partida tivesse sido idêntica em todos os aspectos, apenas não tivessem ocorrido as 2 falhas bizarras e uma bola vadia tivesse entrado em favor do Flu, alardeariam que o "Abel deu nó tático", "o Boca está decadente" etc etc.
A verdade é que foi um jogo duro, tenso, disputado.
Idiotices individuais decidiram a parada em nosso desfavor.
Amargo, mas fazer o quê?
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