domingo, 8 de maio de 2022

Histórias vividas com o Fluminense: 9 - “É melhor o teu Botafogo começar a jogar”

Tinha tudo para ser um jogo normal.

Um clássico com o Botafogo numa das rodadas iniciais do Torneio Rio São Paulo de 1965.

O Botafogo tinha mais craques: Manga, Gerson, o "Canhotinha de Ouro", Garrincha, Jairzinho, Roberto Miranda, dentre outros.

O time do Fluminense era mais modesto.

Seu principal jogador era Amoroso, contratado junto ao Botafogo no ano anterior e tendo se tornado o artilheiro tricolor no título de campeão estadual daquele ano.

Contava também com duas promessas: Evaldo, cria da base tricolor e Antunes, o irmão do Zico e Edu.

Ao longo do tempo, tive oportunidade de assistir algumas declarações do próprio Zico afirmando que Antunes era o melhor da família, mas que não se ligava muito no futebol. Preferiu fazer faculdade e partir para outra carreira. Falta de sorte do Fluminense. .

Evaldo era uma grande promessa, mas que acabou brilhando mesmo no Cruzeiro, o que prova que a falta de sensibilidade de nossos dirigentes em liberar revelações antes da maturação parece estar no DNA dos que se dispõem a exercerem a função de presidente do Fluminense.

Dois remanescentes da tragédia de 1957: o próprio Garrincha, que havia detonado a defesa tricolor naquele dia nefasto e Altair, seu marcador, agora mais experiente e seguro.

De caso pensado não daria para ir ao Maracanã porque a chance maior de vitória pendia para o lado alvinegro.

Mas sabe como é, tricolor que se presa tem a esperança de vitória sempre viva, como diz o próprio hino.

E nesses últimos anos então, só mesmo com muita esperança no coração para nos encorajar a assistir horrorosas apresentações, a maioria pela covardia e falta de criatividade dos treinadores contratados por administrações acéfalas, sem o mínimo conhecimento sobre o esporte que já foi o carro-chefe do clube.

Deixando as lamúrias de lado, voltemos àquela noite, que nos deu tanta alegria.

E lá estávamos nós, meu fiel escudeiro Mauro, de tantas saudades e eu, sentados num dos degraus centrais das arquibancadas, descontraídos porque afinal era uma partida pelo Torneio Rio - São Paulo, de importância relativa para nós.

As pernas tortas de Garrincha ainda causavam certo arrepio aos tricolores em face da goleada de 6 a 2 na decisão de 1957, quando foi o dono do jogo.

Queríamos vencer o algoz, mas nem de longe pensávamos que aquele seria o dia de devolver a goleada e com juros.

O jogo começou com o Fluminense partindo para cima à toda.

O Botafogo utilizava-se da linha de impedimento, a popular “linha burra”, com sucesso, tanto que nos primeiros minutos Armando Marques assinalou três ou quatro impedimentos em que nossos atacantes se encontraram frente a frente com Manga.

Começamos a achar que poderíamos vencer porque  o Botafogo só se defendia.

Até que num dos primeiros contra-ataques Jairzinho abriu a contagem.

O jogo mal tinha começado e já estávamos perdendo.

Foi quando um botafoguense atrás de nós, deliciando-se com o  sofrimento dos tricolores, sapecou em nossa direção o mais alto que pôde a seguinte pérola: “O Botafogo ainda não começou a jogar e já está ganhando”.

O Flu continuou em cima e seus atacantes quase sempre se encontravam impedidos.

Nas poucas vezes que conseguiam arrematar a bola ia fora ou o Manga pegava.

Esse cenário ruim durou ainda cerca de vinte, vinte e cinco minutos.

A diferença entre os dois times estava no banco. O técnico tricolor era  Elba de Pádua Lima, o Tim, jogador que brilhara no próprio Fluminense e na Seleção Brasileira.

Ele já havia percebido desde cedo como aniquilar a tática adversária, mas custou a transmitir a solução a seus jogadores porque naquela época os técnicos eram proibidos de dar instruções com os jogos em andamento.

Até que alguém se contundiu ou fingiu contundir-se e a instrução acabou sendo passada pelo massagista.

Aí virou covardia.

Evaldo, Antunes e Amoroso na sequência viraram para 3 a 1 ainda no primeiro tempo.

O botafoguense folgado manteve-se calado, mas nós ainda estávamos entalados com sua arrogância inicial.

Começou o segundo tempo e antes dos dez minutos Antunes fez o quarto.

Aí o Mauro não aguentou. Virou-se para trás e esbravejou: “Olha aí meu chapa, vê se manda o teu Botafogo começar a jogar senão vai levar uma goleada homérica”.

Os tricolores em maioria caíram na gargalhada.

O cara não tossiu nem mugiu, ficou na dele.

A partir daí foi uma festa só. Gilson Nunes e Evaldo elevaram o placar para 6.

Gerson, de pênalti, diminuiu, mas não deu nem para comemorar porque pouco depois o Fluminense fez o sétimo com Gilson Nunes.

Em meio à euforia, percebemos que o botafoguense tinha sumido.

Enfim, uma goleada sobre Garrincha. Eles não tinham mais Newton Santos, Didi e Paulo Valentim, mas contavam com Gerson, Jairzinho e Roberto Miranda, que viriam a ser bicampeões cariocas em 67 e 68 e campeões do mundo em 1970.

Voltamos felizes e livres do estigma da goleada alvinegra.

A partir daí só alegria contra eles, goleada em título estadual e dois campeonatos brasileiros com a maioria dos jogos em pleno Engenhão, inclusive as finais do Estadual de 2012 e do Tri do Brasileirão de 2010, fatos que permitiram`aos torcedores tricolores batizar o estádio de "nosso salão de festas".

O segredo do Tim? Muito simples. Orientou os seus jogadores a passarem a bola sempre para uma das pontas e aquele que recebesse o passe deveria cruzar para a extremidade oposta e não mais tentar os lançamentos em profundidade, único modo da “linha burra” obter algum êxito.

Foi a sopa no mel. Os atacantes partiam sempre depois do passe e chegavam à frente dos defensores em condições legais e aí era só partir para o abraço.

E se não fosse o desempenho fora do normal de Manga, o escore poderia ter sido mais elástico ainda.  

Valeu Tim e como.

Graças a você devolvemos a goleada sobre o Garrincha, que dessa vez não passou de um simples “joão” nos pés de Altair.

Na manhã seguinte, os jornais davam destaque à goleada sofrida pelo favorito.

 


Cabe destacar os comentários do jornalista Ricardo Serran, publicado no "O GLOBO", dos quais alguns excertos foram extraídos:

“Lembram daquela história do espectador que ia diariamente ao circo para ver o domador colocar a cabeça na boca do leão domesticado? Os que ficaram em casa e não acreditaram que em futebol tudo pode acontecer, deixaram de ver a noite do leão... O Botafogo afinal era o franco favorito contra um Fluminense que no ativo contava apenas com os 3 x 0 do domingo contra o Corinthians, o que não marcava muito por conta do que tem feito o quadro paulista. Dirão que o futebol não tem lógica, mas pelo retrospecto puro o Fluminense é que deveria ser o favorito, pois o Botafogo perdeu para o mesmo Corinthians por 2 x 0 no domingo anterior. Mas, a única explicação para o placar alarmante de 7 x 2  na noite de ontem imposto pelo Fluminense ao alvi-negro, está na tática (!) empregada por Geninho, que talvez fosse válida no tempo em que o hoje o Sir Stanley Matthews começou a carreira no Stoke.

...O Botafogo estava jogando erradamente. Avançando os zagueiros até o meio de campo a fim de colocar os avantes contrários em impedimento, foi coisa que achávamos perdida nos tempos, pois em 1929 vimos no Estádio do Fluminense o Chelsea, então da 2ª divisão da Liga Inglesa, empregar o recurso sem sucesso. De lá para cá, quando falha a imaginação, outros têm tentado ressuscitar a velha e falecida tática, que só faz sucesso contra os ingênuos. Não era segredo para ninguém que Tim se prevenira contra a hipótese da repetição ontem do apelo alvi-negro ao passado distante”.

Ricardo Serran

 


  Continua com: O rubro-negro que vibrou com o Fluzão.

 

segunda-feira, 2 de maio de 2022

O que esperar do Fluminense de Diniz?

 

 

Gostei da saída do Abel e principalmente da maneira como foi. Saiu pela porta da frente, elogiando e agradecendo o clube, a torcida e tudo o mais.

Nada diferente poderia ser esperado de um autêntico tricolor. Valeu Abel, sinceros agradecimentos pelos nove títulos que nos deu.

Sempre admirei sua postura, sua lisura e sinceridade, mas o tempo é implacável e o momento de parar chega para todos e ainda bem que Abel percebeu que o seu havia chegado.

Poderia ter parado no Inter com mais um título de campeão brasileiro, não fosse a cara de pau de uma arbitragem fajuta que não viu ou fingiu não ver um pênalti claro a seu favor na última rodada do campeonato.

Apesar de ficar aliviado com a certeza de estar livre daquele sistema tétrico alicerçado na presença de três zagueiros e espaços generosos deixados em nosso meio de campo, preocupava-me a possibilidade de contratação por parte da dupla dinâmica de mais um dos técnicos “admiradores das táticas reativas”, modo sutil de rotular os retranqueiros que dominaram o Tricolor a partir de 2020.

É verdade que pesa contra Diniz o aproveitamento muito aquém do esperado em sua primeira passagem pelo clube, mas os que chegaram depois também não ganharam nada, à exceção do Estadual de 2022, último título de Abel.

Além disso, os retranqueiros jamais conseguiram apresentar futebol tão vistoso quanto o que jogávamos em 2019.

Qual tricolor não se lembra com satisfação da virada épica em plena Arena do Grêmio depois de estar perdendo de 3 a 0?

E do passeio no Maracanã sobre o Atlético Nacional em que o garoto João Pedro fez o seu primeiro hat-trick?

E não se pode deixar de citar o verdadeiro massacre sobre o Cruzeiro com Fred e tudo em pleno Maracanã.

4 a 1 sem dar a mínima chance aos mineiros. Para os que duvidam ou não se lembram dos detalhes, sugiro pesquisar as estatísticas do jogo. Para facilitar, cito apenas que foram 24 chutes a gol do Fluminense, 11 na direção da meta, contra 4 do Cruzeiro, 3 no alvo.

O fato é que acostumado com o Fluminense gigante, de conquistas mil, craques renomados, como Castilho, Píndaro, Pinheiro, Bigode, Carlyle, Samarone, Waldo, Altair, Telê, Didi, Manfrini, Carlos Alberto Pintinho,  Carlos Alberto Torres, Edinho, Marco Antônio, Rivelino, Doval, Paulo Cesar Caju, Felix, Jair Marinho, Gerson, Paulo Vitor, Ricardo Gomes, Deley, Branco, Tato, Romerito, Washington, Assis, Cavalieri, Deco, Conca, Wellington Nem, Thiago Silva, Thiago Neves, Marcelo, Fred e tantos outros não consigo me conformar com as apresentações pífias dos tempos atuais, vendo o Fluminense ser dominado durante quase todo o tempo das partidas por times medíocres de clubes sem tradição e com folhas salariais um décimo da nossa. 

Vitórias sofridas, muitas com bolas vadias ou falhas gritantes dos adversários. Pouca habilidade em campo e zero de tática afastam os torcedores que perdem o interesse até de ver os jogos pela televisão. 

Devido a todos esses fatos é que exultei com a contratação do Diniz. Preferia o Cuca, em minha opinião o melhor treinador brasileiro da atualidade, mas já que não deu torço para que o Diniz acerte dessa vez.

Gostaria que ele percebesse que sua tática apresenta uma falha gritante, a facilidade que é dada aos zagueiros para atrasar a bola para os goleiros, porque basta aos treinadores adversários marcar a saída em cima de nossa defesa que a falha sempre acaba aparecendo e tomamos gols bobos.

Aliás, essa atitude se propagou tanto no Fluminense que parece ser regra geral atrasar bola para goleiro, a maioria das vezes sem a mínima necessidade, como foi o caso do gol do Olimpia no Maraca, que acabou nos eliminando na soma dos resultados.

Torço para que Diniz tenha percebido o detalhe e instrua seus jogadores para evitar essa mania covarde, que já nos custou muito caro em diversas competições.     

Ainda assim, gostei da escolha. Chega de mais dos mesmos.

Bem-vindo Diniz, que nos traga muitas alegrias.

Boa sorte!