Histórias vividas com o
Fluminense: 7 – O encontro com Ademir.
Agosto de 1964.
Uma equipe feminina chinesa de voleibol visitava o Brasil.
Invictas há vários anos fariam uma exibição no
Maracanãzinho contra um adversário brasileiro, acho que uma seleção de clubes
cariocas, se não me falha a memória.
Na época, minha noiva Verinha cursava a
Faculdade de Jornalismo e recebeu a incumbência de fazer uma reportagem sobre o
jogo.
Capixaba, recém-chegada ao Rio de Janeiro, não
tinha a menor ideia de onde ficava o Ginásio.
Resultado: sobrou para mim, que tive que
faltar a uma tarde inteira na faculdade para acompanhá-la na empreitada.
Comprei dois ingressos para as cadeiras, local de
acesso mais fácil para tentar algumas entrevistas.
Não com as chinesas, na realidade atletas
empregadas de uma fábrica, que só falavam o próprio idioma.
A esperança era conseguir encontrar algum
intérprete ou representante da delegação.
Com o ginásio praticamente vazio numa quinta-feira
à tarde, ficamos o mais próximo possível da quadra.
O jogo começara e logo de início percebi que seria
chatíssimo porque as chinesas não davam a mínima chance para as adversárias.
Nos últimos três ou quatro anos não haviam perdido um único set das partidas
disputadas.
Enquanto Verinha olhava as jogadas com atenção,
preferi observar a reação dos poucos espectadores presentes.
Foi quando vi o Ademir, ídolo do Vasco da Gama, mas
também do Fluminense pela conquista do Supercampeonato de 1946.
Isso mesmo, o Ademir Marques de Menezes, o popular “Queixada”, ídolo de minha infância
e de muitos tricolores, como o ilustre pianista Arthur Moreira Lima.
Mesmo sem saber qual seria a sua reação, resolvemos
pedir auxílio, porque provavelmente esta seria a única oportunidade que
teríamos para conseguir alguma ajuda.
Aproximamo-nos dele e contamos a dificuldade que
estávamos tendo para conseguir qualquer contato que fosse com alguém da
delegação que falasse português ou pelo menos arranhasse um pouco de inglês,
talvez um dos patrocinadores, sei lá.
Ademir na época trabalhava na ADEG__ Administração
dos Estádios da Guanabara e tinha livre trânsito no Maracanãzinho e também no
Maracanã.
Ele foi de uma presteza incrível e ao final da
partida, vencida facilmente pelas chinesas por 3 a 0, levou-nos até um dos
agentes brasileiros da comitiva, que forneceu inúmeras informações importantes
para a confecção do trabalho.
Enquanto Verinha tentava obter o máximo de
informações possíveis sobre as chinesas, Ademir e eu passamos a relembrar seus
feitos na época em que defendia as cores do Fluminense.
Contou-me sobre as dificuldades do jogo final do
supercampeonato de 1946, realizada no estádio de São Januário.
Frisou que o Botafogo também tinha um time muito
bom, comandado por Heleno de Freitas, um dos maiores centroavantes que havia
visto jogar.
Ao relembrar o jogo do título Ademir aos poucos foi
deixando de lado a inibição e cada vez mais emocionado contava os detalhes que
lembrava do clássico decisivo.
“Foi uma partida muito dura, bem difícil. Todos os jogadores, tanto do Fluminense como do Botafogo deram o máximo de si, mas por se tratar da decisão de um supercampeonato a maioria estava bastante nervosa.”
“O Botafogo concentrou-se na defesa e fazia grande marcação sobre o nosso ataque, que mesmo desfalcado de Simões, ainda sobrava no campeonato.”
“Seu técnico mandou dois de seus defensores marcar individualmente a mim e ao Pedro Amorim. Lembro bem que Juvenal não descolou de mim quase o tempo todo. Para onde eu tentava ir aquela sombra sempre me perseguia. O mesmo acontecia com Pedro Amorim, às voltas com Belacosa, o outro escolhido para marcá-lo.”
“Diversas vezes dois atacantes recuavam para ajudar a defesa e as tentativas de chutes de fora da área esbarravam sempre na boa atuação de Oswaldo Baliza, o goleiro deles.”
"Nossa defesa também estava bem armada, de modo que o jogo deveria ser decidido no detalhe. E ele veio, ainda bem que para o Fluminense.”
“Nosso ataque procurava fugir da marcação cerrada com deslocamentos rápidos na esperança de conseguir alguma brecha.”
“Até que aconteceu. Paschoal e Pedro Amorim conseguiram envolver Belacosa e Juvenal ao ver nosso ponta livre quase na entrada da área, correu em direção a ele para fazer a cobertura.”
“Pedro Amorim foi mais rápido e passou a bola para mim, sozinho, perto da grande área e sem marcação alguma. Aí foi muito fácil, bastou correr em direção ao gol e chutar forte no canto do Oswaldo, que nada pode fazer.”
“Na etapa final, nossa defesa não deu chances aos atacantes adversários, que não tiveram muita ajuda dos demais companheiros, talvez receosos da repetição do ocorrido no jogo anterior, quando o Botafogo ao conseguir o seu gol depois de estar perdendo por dois a zero, partiu a toda em busca do empate e acabou sofrendo o terceiro num contra-ataque mortal. Não sei, é só uma suposição”.
Depois de ouvir atentamente o seu relato, tentei forçar a barra e repeti as histórias que ouvira desde a minha infância de que ele seria torcedor do Fluminense numa tentativa de obter confirmação para o fato.
Afirmou que sua família era tricolor, seu time de
botão na infância era o do Fluminense e que os dos dois anos maravilhosos
passados nas Laranjeiras e a paixão de seu pai pelo Tricolor faziam com que o
Fluminense estivesse sempre marcado em sua memória.
Mas, o grande período passado em São Januário o
fazia pender para o Vasco da Gama.
Incrível, o herói de muitos tricolores era torcedor
do bacalhau.
Heleno de Freitas e Ademir Menezes, as estrelas do supercampeonato. |
Time da final: Robertinho, Gualter, Paschoal, Haroldo, Pedro Amorim, Ademir, Telesca, Rodrigues, Careca, Bigode e Orlando "Pingo de Ouro". |
"Campeão o Fluminense – Com a batalha sensacional de ontem em São Januário encerrou-se o campeonato de 46. O Fluminense derrotando o Botafogo por um a zero sagrou-se o campeão do ano. Uma conquista inegavelmente justa, como atestam os números do empolgante certame. No cliché aparecem três detalhes do espetáculo final do campeonato: à esquerda, Gualter abraçando o técnico Gentil Cardoso no vestiário após o jogo, vendo-se ainda os Srs. Dilson Guedes, Carlos Nascimento e Moraes e Barros, presidente do clube tricolor; ao centro, o team campeão, vendo-se enfileirados: Roberto, Gualter, Paschoal, Haroldo, Pedro Amorim, Ademir, Telesca, Rodrigues, Careca, Bigode e Orlando; à esquerda (na realidade à direita), uma fase movimentada da luta: Robertinho defende acossado por Heleno, que por sua vez é assediado por Haroldo".
Os números do Fluminense no Quadrangular final:
16/11 – São Januário: Fluminense 1 x 1 Flamengo
24/11 – General Severiano: Fluminense 8 x 4 América
30/11 – São Januário: Fluminense 3 x 1 Botafogo
07/12 – São Januário: Flamengo 1 x 4 Fluminense
14/12 – Gávea: América 2 x 6 Fluminense
22/12 – São Januário: Botafogo 0 x 1 Fluminense
Clube |
J |
PG |
V * |
E |
D |
G P |
G C |
S |
Fluminense |
6 |
11 |
5 |
1 |
0 |
23 |
9 |
14 |
Botafogo |
6 |
8 |
4 |
0 |
2 |
7 |
5 |
2 |
Flamengo |
6 |
5 |
2 |
1 |
3 |
9 |
12 |
-3 |
América |
6 |
0 |
0 |
0 |
6 |
10 |
23 |
-13 |
* - Em 1946 vitória valia 2 pontos |
Esgotado o assunto sobre o supercampeonato, perguntei sobre a perda do título mundial de 1950.
Ademir foi enfático em rebater todas as insinuações
de que a Seleção tinha se acovardado perante a garra e as botinadas de Obdúlio
Varella.
Segundo seu relato, o time realmente parou de jogar
na última meia hora. Não porque tenha amarelado e sim pelo cansaço causado pela
exaustiva noite anterior ao jogo.
Na véspera da final, a Seleção foi deslocada para
as dependências de São Januário para uma recepção a algumas autoridades.
Aproveitadores como os de hoje, políticos demagogos invadiram
o cenário com o objetivo precípuo de aparecer em fotos ao lado dos futuros "campeões do mundo". Promessas de empregos públicos e outras benesses
entusiasmaram a quase todos, que permaneceram comendo e bebendo até quase o
amanhecer e ignorando a necessidade de descansar para a grande decisão do dia
seguinte.
Apenas ele e o Danilo Alvin foram para a cama por
volta das dez da noite.
Há que se acrescentar que naquela época os salários
dos jogadores eram ridículos se comparados com os de hoje, onde qualquer cabeça
de bagre ganha bem mais que médicos, engenheiros ou executivos de grandes
empresas.
O resultado não poderia ser outro, o time cansou e
não teve forças para ganhar as disputas com os uruguaios, que levaram a melhor
em quase todas as divididas.
Depois de uma tarde agradabilíssima, ele nos
convidou a ir ao Maracanã para assistir ao jogo do Fluminense pelo campeonato
carioca.
E depois de um lanche rápido e muita conversa, lá
estávamos nós penetrando no Maraca pelas mãos do Ademir. Glória total.
O jogo foi duro. O Bonsucesso daquela época não era
tão fraco como nos dias de hoje.
Foi o sétimo colocado no campeonato, ficando atrás
apenas dos quatro grandes, do Bangu, vice-campeão e do América, sexto colocado.
Seu treinador armou uma retranca surreal, mas ao
final ganhamos com um gol do Amoroso.
Ademir vibrou bastante com a vitória, nem parecia
tão vascaíno como havia dito. Deve ter gostado também quando ao final do
campeonato levantamos o caneco.
Final do jogo, hora de ir para a casa.
E por uma coincidência feliz Ademir ia para
Copacabana, bairro onde morava a Verinha, o que nos permitiu dar carona a um
dos grandes ídolos tricolores.
Pena que naquela época não existiam celulares e não
pude registrar o encontro mágico.
Nota: Enquanto pesquisava detalhes do jogo, que acredito que nenhum de nós tenha assistido, descobri no youtube um trecho da transmissão da Rádio Tupi feita por Ari Barroso e sua inconfundível gaita de fole. Para quem quiser conferir como eram as transmissões da época é só seguir o link: https://www.youtube.com/watch?v=sQeQuT5Pfnk
Continua com: Ainda o encontro com Ademir.