terça-feira, 17 de novembro de 2020

Histórias vividas com o Fluminense: 7 - O encontro com Ademir.

Histórias vividas com o Fluminense: 7 – O encontro com Ademir.


Agosto de 1964. 

Uma equipe feminina chinesa de voleibol visitava o Brasil. 

Invictas há vários anos fariam uma exibição no Maracanãzinho contra um adversário brasileiro, acho que uma seleção de clubes cariocas, se não me falha a memória.

Na época, minha noiva Verinha cursava a Faculdade de Jornalismo e recebeu a incumbência de fazer uma reportagem sobre o jogo.

Capixaba, recém-chegada ao Rio de Janeiro, não tinha a menor ideia de onde ficava o Ginásio.

Resultado: sobrou para mim, que tive que faltar a uma tarde inteira na faculdade para acompanhá-la na empreitada.

Comprei dois ingressos para as cadeiras, local de acesso mais fácil para tentar algumas entrevistas.

Não com as chinesas, na realidade atletas empregadas de uma fábrica, que só falavam o próprio idioma.

A esperança era conseguir encontrar algum intérprete ou representante da delegação.

Com o ginásio praticamente vazio numa quinta-feira à tarde, ficamos o mais próximo possível da quadra.

O jogo começara e logo de início percebi que seria chatíssimo porque as chinesas não davam a mínima chance para as adversárias. Nos últimos três ou quatro anos não haviam perdido um único set das partidas disputadas.

Enquanto Verinha olhava as jogadas com atenção, preferi observar a reação dos poucos espectadores presentes.

Foi quando vi o Ademir, ídolo do Vasco da Gama, mas também do Fluminense pela conquista do Supercampeonato de 1946.

Isso mesmo, o Ademir Marques de Menezes, o popular “Queixada”, ídolo de minha infância e de muitos tricolores, como o ilustre pianista Arthur Moreira Lima.

Mesmo sem saber qual seria a sua reação, resolvemos pedir auxílio, porque provavelmente esta seria a única oportunidade que teríamos para conseguir alguma ajuda.

Aproximamo-nos dele e contamos a dificuldade que estávamos tendo para conseguir qualquer contato que fosse com alguém da delegação que falasse português ou pelo menos arranhasse um pouco de inglês, talvez um dos patrocinadores, sei lá.

Ademir na época trabalhava na ADEG__ Administração dos Estádios da Guanabara e tinha livre trânsito no Maracanãzinho e também no Maracanã.

Ele foi de uma presteza incrível e ao final da partida, vencida facilmente pelas chinesas por 3 a 0, levou-nos até um dos agentes brasileiros da comitiva, que forneceu inúmeras informações importantes para a confecção do trabalho.   

Enquanto Verinha tentava obter o máximo de informações possíveis sobre as chinesas, Ademir e eu passamos a relembrar seus feitos na época em que defendia as cores do Fluminense.

Contou-me sobre as dificuldades do jogo final do supercampeonato de 1946, realizada no estádio de São Januário.

Frisou que o Botafogo também tinha um time muito bom, comandado por Heleno de Freitas, um dos maiores centroavantes que havia visto jogar. 

Ao relembrar o jogo do título Ademir aos poucos foi deixando de lado a inibição e cada vez mais emocionado contava os detalhes que lembrava do clássico decisivo.

“Foi uma partida muito dura, bem difícil. Todos os jogadores, tanto do Fluminense como do Botafogo deram o máximo de si, mas por se tratar da decisão de um supercampeonato a maioria estava bastante nervosa.”

“O Botafogo concentrou-se na defesa e fazia grande marcação sobre o nosso ataque, que mesmo desfalcado de Simões, ainda sobrava no campeonato.”

“Seu técnico mandou dois de seus defensores marcar individualmente a mim e ao Pedro Amorim. Lembro bem que Juvenal não descolou de mim quase o tempo todo. Para onde eu tentava ir aquela sombra sempre me perseguia. O mesmo acontecia com Pedro Amorim, às voltas com Belacosa, o outro escolhido para marcá-lo.”

“Diversas vezes dois atacantes recuavam para ajudar a defesa e as tentativas de chutes de fora da área esbarravam sempre na boa atuação de Oswaldo Baliza, o goleiro deles.”

"Nossa defesa também estava bem armada, de modo que o jogo deveria ser decidido no detalhe. E ele veio, ainda bem que para o Fluminense.”

“Nosso ataque procurava fugir da marcação cerrada com deslocamentos rápidos na esperança de conseguir alguma brecha.”

“Até que aconteceu. Paschoal e Pedro Amorim conseguiram envolver Belacosa e Juvenal ao ver nosso ponta livre quase na entrada da área, correu em direção a ele para fazer a cobertura.”

“Pedro Amorim foi mais rápido e passou a bola para mim, sozinho, perto da grande área e sem marcação alguma. Aí foi muito fácil, bastou correr em direção ao gol e chutar forte no canto do Oswaldo, que nada pode fazer.”   

“Na etapa final, nossa defesa não deu chances aos atacantes adversários, que não tiveram muita ajuda dos demais companheiros, talvez receosos da repetição do ocorrido no jogo anterior, quando o Botafogo ao conseguir o seu gol depois de estar perdendo por dois a zero, partiu a toda em busca do empate e acabou sofrendo o terceiro num contra-ataque mortal. Não sei, é só uma suposição”.

 


Depois de ouvir atentamente o seu relato, tentei forçar a barra e repeti as histórias que ouvira desde a minha infância de que ele seria torcedor do Fluminense numa tentativa de obter confirmação para o fato.

Afirmou que sua família era tricolor, seu time de botão na infância era o do Fluminense e que os dos dois anos maravilhosos passados nas Laranjeiras e a paixão de seu pai pelo Tricolor faziam com que o Fluminense estivesse sempre marcado em sua memória.

Mas, o grande período passado em São Januário o fazia pender para o Vasco da Gama.

Incrível, o herói de muitos tricolores era torcedor do bacalhau.

 

Heleno de Freitas e Ademir Menezes, as estrelas do supercampeonato.


Time da final: Robertinho, Gualter, Paschoal, Haroldo, Pedro Amorim,
Ademir, Telesca, Rodrigues, Careca, Bigode e Orlando "Pingo de Ouro".
                           
No dia seguinte da conquista a imprensa desportiva enaltecia o feito do Tricolor em suas primeiras páginas, como mostra a reprodução do jornal "O GLOBO", a seguir:




Transcrição do texto da foto: 

"Campeão o Fluminense – Com a batalha sensacional de ontem em São Januário encerrou-se o campeonato de 46. O Fluminense derrotando o Botafogo por um a zero sagrou-se o campeão do ano. Uma conquista inegavelmente justa, como atestam os números do empolgante certame.  No cliché aparecem três detalhes do espetáculo final do campeonato: à esquerda, Gualter abraçando o técnico Gentil Cardoso no vestiário após o jogo, vendo-se ainda os Srs. Dilson Guedes, Carlos Nascimento e Moraes e Barros, presidente do clube tricolor; ao centro, o team campeão, vendo-se enfileirados: Roberto, Gualter, Paschoal, Haroldo, Pedro Amorim, Ademir, Telesca, Rodrigues, Careca, Bigode e Orlando; à esquerda (na realidade à direita), uma fase movimentada da luta: Robertinho defende acossado por Heleno, que por sua vez é assediado por Haroldo".

Os números do Fluminense no Quadrangular final:

16/11 – São Januário: Fluminense 1 x 1 Flamengo

24/11 – General Severiano: Fluminense 8 x 4 América

30/11 – São Januário: Fluminense 3 x 1 Botafogo

07/12 São Januário: Flamengo 1 x 4 Fluminense

14/12 – Gávea: América 2 x 6 Fluminense

22/12 – São Januário: Botafogo 0 x 1 Fluminense 

Clube

J

PG

V *

E

D

G P

G C

S

Fluminense

6

11

5

1

0

23

9

14

Botafogo

6

8

4

0

2

7

5

2

Flamengo

6

5

2

1

3

9

12

-3

América

6

0

0

0

6

10

23

-13

* - Em 1946 vitória valia 2 pontos

Esgotado o assunto sobre o supercampeonato, perguntei sobre a perda do título mundial de 1950.

Ademir foi enfático em rebater todas as insinuações de que a Seleção tinha se acovardado perante a garra e as botinadas de Obdúlio Varella.      

Segundo seu relato, o time realmente parou de jogar na última meia hora. Não porque tenha amarelado e sim pelo cansaço causado pela exaustiva noite anterior ao jogo.

Na véspera da final, a Seleção foi deslocada para as dependências de São Januário para uma recepção a algumas autoridades.

Aproveitadores como os de hoje, políticos demagogos invadiram o cenário com o objetivo precípuo de aparecer em fotos ao lado dos futuros "campeões do mundo". Promessas de empregos públicos e outras benesses entusiasmaram a quase todos, que permaneceram comendo e bebendo até quase o amanhecer  e ignorando a necessidade de descansar para a grande decisão do dia seguinte.

Apenas ele e o Danilo Alvin foram para a cama por volta das dez da noite.

Há que se acrescentar que naquela época os salários dos jogadores eram ridículos se comparados com os de hoje, onde qualquer cabeça de bagre ganha bem mais que médicos, engenheiros ou executivos de grandes empresas.

O resultado não poderia ser outro, o time cansou e não teve forças para ganhar as disputas com os uruguaios, que levaram a melhor em quase todas as divididas.

Depois de uma tarde agradabilíssima, ele nos convidou a ir ao Maracanã para assistir ao jogo do Fluminense pelo campeonato carioca.

E depois de um lanche rápido e muita conversa, lá estávamos nós penetrando no Maraca pelas mãos do Ademir. Glória total.

O jogo foi duro. O Bonsucesso daquela época não era tão fraco como nos dias de hoje.

Foi o sétimo colocado no campeonato, ficando atrás apenas dos quatro grandes, do Bangu, vice-campeão e do América, sexto colocado.

Seu treinador armou uma retranca surreal, mas ao final ganhamos com um gol do Amoroso.

Ademir vibrou bastante com a vitória, nem parecia tão vascaíno como havia dito. Deve ter gostado também quando ao final do campeonato levantamos o caneco.




Final do jogo, hora de ir para a casa.

E por uma coincidência feliz Ademir ia para Copacabana, bairro onde morava a Verinha, o que nos permitiu dar carona a um dos grandes ídolos tricolores.

Pena que naquela época não existiam celulares e não pude registrar o encontro mágico.

 * * * * *

Nota: Enquanto pesquisava detalhes do jogo, que acredito que nenhum de nós tenha assistido, descobri no youtube um trecho da transmissão da Rádio Tupi feita por Ari Barroso e sua inconfundível gaita de fole. Para quem quiser conferir como eram as transmissões da época é só seguir o link: https://www.youtube.com/watch?v=sQeQuT5Pfnk  


Continua com: Ainda o encontro com Ademir.

domingo, 18 de outubro de 2020

Histórias vividas com o Fluminense: 6 - Uma verdadeira odisseia para assistir apenas a um gol e perder um hat-trick do Waldo.



Mais um jogo contra o Vasco, desta vez pelo Rio-São Paulo de 1960.

Não me lembrava se numa quarta ou quinta-feira até recorrer ao Globo da época para saber que foi numa quinta.

Por mais que tentasse arranjar uma companhia para ir ao estádio, não consegui viva alma para me acompanhar.

Até o Mauro, meu fiel escudeiro para os jogos do Flu, tinha um compromisso.

Paciência, acabei desistindo e apelei para o rádio.

Enquanto ouvia as resenhas que antecediam o jogo, todas elegendo o Tricolor como favorito, a vontade de estar no estádio aumentava.

O time, campeão do ano anterior, estava invicto na competição e vinha jogando o fino da bola, como nas vitórias contra o Corinthians em pleno Pacaembu e a goleada acachapante de 7 a 2 no São Paulo.

A empolgação venceu e resolvi partir para o Maraca, apesar de faltar menos de uma hora para o início.

Em condições normais levaria cerca de quarenta a cinquenta minutos das Laranjeiras até o Maracanã, então valia o risco.    

Não existia o Metrô, então o modo mais rápido de chegar seria pegar qualquer linha de ônibus que passasse na Presidente Vargas e de lá outro que fosse para o estádio.

Infelizmente as peripécias da viagem demonstraram que não se tratava de uma noite normal.

Quase chegando ao ponto vi um ônibus partindo. O próximo só chegou quase dez minutos depois.

Uma solenidade no Palácio do Catete tornou o trânsito pesado na rua do Catete e me atrasou mais ainda. Enfim chegamos na Presidente Vargas.

Peguei um Copacabana-Meyer quase lotado quando faltavam cerca de dez minutos para o começo do jogo.

Mesmo assim, não desisti. Afinal de contas como dizia Vicente Matheus, o folclórico presidente do Corinthians: “Quem está na chuva é para se queimar”.

Fiquei perto do trocador que ouvia a transmissão por um daqueles famosos radinhos de pilhas, os populares “tijolinhos” que muitos torcedores levavam para os estádios e, às vezes revoltados com as derrotas ou com os erros de arbitragem os lançavam para dentro do campo.

E o jogo começou. Ao passar pela Praça da Bandeira, gol do Vasco.

Não deu nem para me refazer do susto porque logo na entrada da Ibituruna outro gol do Vasco.

Dois a zero antes dos dez minutos de jogo. Comecei a achar que teria sido melhor ficar em casa.

Finalmente, o ônibus chegou ao ponto da rua Mata Machado, o mais próximo.

Corri para as bilheterias e esbarrei em retardatários como eu batalhando por ingressos, problema aumentado porque algumas já estavam fechadas.

Enquanto esperava na fila, uma gritaria típica de gol vindo de dentro do estádio.

De quem seria? Se fosse do Vasco, já estava preparado para dar meia volta e retornar para casa.

Gol do Fluminense, gritou alguém de dentro da bilheteria.

Vinte minutos de jogo e eu ainda na fila, mas enquanto esperava minha vez pensava que 2 a 1 dava para virar, afinal nossa linha tinha craques como Valdo, Telê, Escurinho e Maurinho.

Finalmente consegui minha entrada.

Àquela altura a possibilidade maior para encontrar um lugar para  sentar seria nas arquibancadas superiores, então tratei de apertar o passo.

Ao chegar na metade da última rampa, outro grito da galera.

Mais um gol, de quem teria sido?

Corri o máximo que pude e chegando lá em cima olhei direto para o placar: 2 a 2.

Pulei de alegria e gritei como um doido sem me dar conta de que a partida já tinha recomeçado.

Os torcedores próximos olhavam para mim sem entender o porquê de continuar pulando como uma capivara enquanto o jogo rolava.

Sentei-me no primeiro lugar disponível e só depois de uns cinco minutos é que me refis da corrida desabalada pelas rampas do estádio e tive forças pra perguntar a um tricolor vizinho quem tinha feito os gols.

Resposta óbvia: Valdo, claro.

Perguntei quem estava melhor e ele deu uma pincelada do que acontecera até aquele momento.

“O Vasco entrou a mil, fez um gol aos quatro minutos e na saída tomaram a bola e fizeram outro”. “Depois só deu Fluminense”, disse ele.

Acho que o esforço para empatar cansou o time porque daí até o intervalo o jogo ficou morno.

Depois do intervalo o Vasco voltou com mais ímpeto e tentava restabelecer sua vantagem de todos os modos.

A correria era geral, mas seus bons atacantes Pinga, Delém e Sabará esbarravam na nossa zaga, agora mais segura depois da orientação passada por Zezé Moreira para Clóvis proteger de perto o jovem Paulo, que sentia a responsabilidade de substituir Pinheiro.

Que tranquilidade quando seu clube tem um treinador que enxerga o jogo e sabe corrigir as falhas!

Até o final nas poucas vezes que os vascaínos conseguiram passar pela zaga esbarravam nas mãos do Castilho.

Aos poucos o Fluminense equilibrou a partida e numa jogada rápida de contra-ataque Waldo marcou novamente.

Aí foi só segurar o resultado.

Ao fim do jogo enquanto saboreávamos um delicioso “Geneal”, tradição gourmet do Maraca na época, o tricolor amigo recente me contava todos os lances importantes da parte do jogo que eu tinha perdido com destaque para a falha bisonha de Paulo no gol do Delém.

Voltei para casa feliz por ter feito a escolha certa, mas só fui ver os quatro primeiros gols do jogo dias depois no cinema, através do Canal 100, de Carlinhos Niemeyer.

Durante a semana seguinte encontrei vários amigos que não se dispuseram a ir ao Maracanã e muitos me confidenciaram que não foram por pura preguiça e estavam arrependidos de terem perdido uma jogaço com mais uma atuação de gala de Waldo.

No dia seguinte, os jornais davam ênfase à vitória tricolor, como a chamada da capa do Jornal dos Sports, reproduzida a seguir.


"O Vasco iniciou o jogo de maneira arrasadora, assinalando dois gols em cinco minutos, mas o Fluminense reagiu com decisão, passou a dominar e marchou para a vitória. – Uma grande peleja – Valdo assinalou os gols da vitória – Pinga e Delém fizeram os gols relâmpagos do Vasco – Arrecadação de Cr$ 1.471.575,00 – A peleja em revista (página 8)." 

Nas entrevistas de vestiários, comuns naqueles anos, um reporter de "O GLOBO" informou ao Vice Presidente de futebol Dilson Guedes que o Boca Juniors estaria enviando um emissário às Laranjeiras para levar o Waldo para a Argentina. A resposta, reproduzida a seguir, foi categórica.



Já pensaram, caros tricolores, se tivéssemos um Dilson Guedes nos dias de hoje o timaço que o Fluminense poderia ter?



O FENÔMENO WALDO

Foto: lance.com.br

Waldo chegou ao Fluminense no início da década de 50 pelas mãos de Dilson Guedes, Vice-Presidente de futebol, que o descobriu nos juvenis do Fluminense de Niteroi.

Profissionalizou-se em 1954 e em suas poucas participações na equipe principal já deixava antever que não precisaria de muito tempo para se sobrepor a Ambrois, o centro avante titular da equipe.

Com a transferência de Ambrois para o Boca Juniors, assumiu definitivamente o comando do ataque tricolor até a sua saída para o Valencia em 1961.

Com um estilo simples de jogar, sem firulas desnecessárias acertava as metas adversárias com muita precisão, característica que o tornou artilheiro da equipe durante todos os anos em que vestiu nossa camisa, como mostra o quadro a seguir, criado com base nas informações obtidas do blog "JORNALHEIROS", do amigo PC Filho.   



Waldo foi campeão carioca de 1959, dos Torneios Rio-São Paulo de 1957 e 1960, quando foi artilheiro em ambos, além de uma série de conquistas em competições nacionais e internacionais.

Cabe destacar que o Torneio Rio-São Paulo era uma competição bastante equilibrada. Os quatro grandes das duas cidades possuiam em seus elencos craques consagrados, exemplo máximo o rei Pelé.

Para que os que não viveram a época terem uma ideia melhor da qualidade do futebol brasileiro, basta um rápido olhar para a relação dos  jogadores que participaram dos torneios nos anos de 1957 e 1960.

Botafogo: Bauer, Newton Santos, Garrincha, Didi, Quarentinha, Paulo Valentim e Zagalo;

Corinthians: Gilmar, Claudio, Luizinho, Baltazar e Zague;

Flamengo: Joubert, Jadir, Jordan, Joel, Moacir, Índio, Henrique e Babá;

Fluminense: Castilho, Jair Marinho, Pinheiro, Clovis, Altair, Maurinho, Waldo, Telê e Escurinho;

Santos: Manga, Urubatão, Zito, Dorval, Álvaro, Pagão, Del Vecchio, Tite, Pepe e Pelé;

São Paulo: De Sordi, Mauro, Baltazar, Gino e Canhoteiro;

Vasco da Gama: Barbosa, Paulinho, Bellini, Laerte, Orlando, Sabará, Pinga, Delém e Roberto Pinto.     

Em sua carreira, Waldo marcou 319 gols pelo Fluminense em 403 jogos, média de 0,79 por partida.

É o maior artilheiro da história do Fluminense e até hoje possui a melhor média dentre os maiores artilheiros dos clubes do Rio de Janeiro.    



Continua com O Encontro com Ademir

domingo, 4 de outubro de 2020

Histórias vividas com o Fluminense: 5 - O torcedor indigesto

Bem que tentei dar nova chance ao Odair, mas não deu.

Contra um Botafogo sem inspiração, com apenas uma vitória no campeonato e seriamente ameaçado de rebaixamento pensei que Odair deixasse de lado o seu habitual medo de perder.

Ledo engano. Bastou o time abrir o placar para os torcedores voltarem a se desesperar com a volta do futebol covarde, característica intrínseca de nosso treinador. 

Considerar Odair como treinador já é uma aberração cerebral, pura quimera. Seu time não tem equilíbrio, sequer uma jogada ensaiada, um verdadeiro bando em campo e sempre com os mesmos jogadores, sem importar se eles jogam bem ou mal.

E como não me sinto à vontade para falar mal do Fluminense, vou aproveitar para evitar riscos de enfartos e passar a assistir apenas as resenhas pós jogos e utilizar esse espaço para continuar contando as aventuras vividas com o Fluminense, principalmente nos estádios Manoel Schwartz, Mario Filho e Newton Santos.

Na verdade, não sei se conseguirei ficar afastado de vez do Tricolor, de qualquer modo vou tentar.

A história a seguir lembra o artilheiro uruguaio Ambrois, provavelmente desconhecido de muitos tricolores por sua efêmera passagem pelas Laranjeiras.


      Histórias vividas com o Fluminense: 5 - O torcedor indigesto


Quem ainda não teve o dissabor de ser azucrinado por um torcedor enjoado durante uma partida de futebol?
 

Na época do futebol civilizado eles existiam e de vez em quando apareciam nos estádios para perturbar a vida dos adversários.

 

Hoje esse tipo de sujeito praticamente desapareceu de cena porque, do jeito que anda a violência, não resistiria a dez minutos sem levar uma boa surra de algum truculento sempre à espera de uma oportunidade para bater nos fracos.

 

Em meados dos anos 50 não existia a presença de trogloditas nos estádios, de modo que não restava opção a não ser aguentar friamente as provocações irritantes.

 

E foi assim que aconteceu comigo e grande parte da torcida num jogo entre o Fluminense e o Olaria.

 

De novo o Olaria!

 

O mesmo clube que no campeonato anterior deixou a vitória escapar no último segundo da partida, mercê de uma cabeçada certeira de Marinho, naquele jogo tumultuado relatado na postagem anterior.

 

O Fluminense tinha um timaço com Castilho, Píndaro e Pinheiro, seu trio final famoso, como costumavam dizer os locutores da época.

 

Na asa média esquerda__ não estranhem a nomenclatura, era o que vigia na época__ Bigode, que apesar de execrado pela mídia recalcada depois da perda da Copa do Mundo de 1950, ostentava boa forma e era um de nossos destaques.

 

Os desfalques de Didi, Waldo e Escurinho eram preocupantes, principalmente porque o adversário, além de ser useiro e vezeiro em aprontar nas Laranjeiras, abusava da violência, onde Olavo, o mesmo botinudo de jornadas passadas, se destacava sobre os demais.

 

Marinho, o outro centro avante raçudo, já estava praticamente recuperado de grave lesão no joelho, mas não tinha a mínima possibilidade de jogar contra a pesada defesa do Olaria.

 

A preocupação quanto a um desastre era grande, porque Zezé Moreira não tinha outra opção a não ser escalar uma linha atacante muito leve com Milton, Ambrois, Telê, Robson e Quincas.

 

Convém esclarecer aos mais jovens que praticamente todos os times jogavam no sistema WM com dois zagueiros centrais, três médios volantes habilidosos para municiar o ataque e cinco atacantes.

 

Com a evolução tática do futebol, esse esquema foi abandonado e substituído por miríades de combinações, algumas sem o mínimo sentido prático e que acabaram por criar uma série infindável de técnicos incapazes, retranqueiros e medrosos, sem noção alguma de como se deve preparar um time de futebol.

 

Apesar de não estar passando por um bom momento, a responsabilidade maior para os gols recaiu sobre Ambrois, atacante uruguaio, vindo do Nacional.

 

Ambrois teve passagem meteórica pelas Laranjeiras, não chegando a completar dois anos com a camisa tricolor. Ainda assim marcou sua presença.

 

Apesar de grande destaque jogando pelo Nacional e pela seleção de seu país, com participação efetiva na Copa do Mundo, marcando gols contra a Inglaterra e a vice-campeã Hungria, sua adaptação no Tricolor não foi imediata e os torcedores já começavam a pegar no seu pé com a sequência de participações sem brilho.

 

O Olaria sempre foi a pedra no sapato quando jogava nas Laranjeiras, porque quase sempre conseguia sucesso com suas retrancas eficientes, capitaneadas por Olavo, o mesmo volante truculento citado na passagem anterior e que quase levou o seu clube à vitória. 


Seu destempero chegou ao ápice alguns anos depois num jogo na rua Bariri, vencido de virada pelo Tricolor por 2 a 1.  


Ao ser expulso de campo, após uma ríspida disputa de bola com Telê, Olavo não se conformou, deu um tapa na cara do árbitro e não satisfeito partiu para cima correndo alguns metros atrás dele até que foi seguro pela turma do “deixa disso”.

 

A aventura rendeu-lhe uma suspensão de mais de um ano, o que acabou encerrando sua carreira.  

 

Apesar de não me lembrar de uma só partida realizada no alçapão da Rua Bariri que não tenha sido vencida pelo Fluminense, em nossos domínios os jogos quase sempre eram difíceis e vez por outra amargávamos alguns resultados ruins. 

 

Difícil de entender o fenômeno: engrossavam quase sempre nas partidas jogadas nas Laranjeiras e perdiam todas quando as disputas eram em seus domínios.

 

Os três importantes desfalques diminuíram a diferença abissal que existiria entre as equipes, caso a nossa estivesse completa.

 

Até pouco antes de escrever essa história só me lembrava da vitória fácil e dos dois gols do Ambrois, além da azucrinação por parte do torcedor adversário.

 

Tive que recorrer aos jornais da época para relembrar as escalações, a marcha da contagem e toda a situação vivida naquele domingo, véspera do dia da proclamação da República.

 

A social do estádio estava cheia, lotada como sempre.

 

Nas arquibancadas superiores um bom público na parte central em frente às sociais e menos gente nas laterais.

 

Não existia divisão de área para as torcidas nos jogos com os times de menor expressão, porque poucos se dispunham a perder uma tarde de domingo para assistir derrotas previsíveis.

 

Naquele dia, porém, aconteceria algo inusitado que, embora no princípio não tivesse sido nada agradável, teve um final compensador.

 

E justamente pela presença do torcedor chato, o próprio cricri.

 

Era um jovem magrinho, tipo do fraco abusado, vestindo uma camiseta azul e usando um chapéu. Parecia de palha, mas não lembro bem.


E com tanto lugar vazio, resolveu ficar bem no canto da arquibancada superior à esquerda do placar, lugar ideal para que seus gritos pudessem ser ouvidos claramente pela parte da social mais próxima, como assinalado na imagem a seguir. 

 


Talvez a causa de sua animação tenha sido a lembrança da boa atuação de seu clube no jogo do campeonato anterior, aquele jogo no qual Marinho deixou o campo como herói.

 

Antes mesmo do início, ele já praguejava. “Vocês vão sair de cabeça inchada”, “vão perder esse jogo”.

 

O pessoal não se importou e até achou graça naquela figurinha folgada, isolada, sem ninguém por perto.

 

O lugar onde resolveu sentar-se tinha sido escolhido a dedo, porque aquela posição, sem dúvida alguma, seria a melhor para perturbar as nossas vidas.

 

Passou grande parte do jogo de pé, debruçado sobre o muro que separa as arquibancadas da parte social, berrando e fazendo sinais para nós.

 

Quase não prestava atenção ao que ocorria em campo. Seu prazer era caçoar e olhar a nossa cara.

 

Em posição privilegiada olhava-nos de cima sem que tivéssemos chance alguma de revidar.

 

Naquela época as sociais do estádio dispunham de cadeiras de madeira presas umas nas outras, de modo que seria praticamente impossível alguém tentar se aproximar para espantar o intruso. 

 

E como sempre acontecia em nosso campo o Olaria fazia jogo duro e enquanto sua retranca dava certo éramos obrigados a ouvir todo o tipo de gozação.

 

Impossível precisar quantas vezes ouvimos aquela frase perturbadora: “Vocês vão perder esse jogo, vão sair de cabeça inchada”.

 

Nem o primeiro gol marcado por Ambrois arrefeceu seus ânimos e os gritos de que iríamos sair de cabeça inchada não paravam de ecoar em nossos ouvidos, porque apesar de magrinho ele tinha um grito agudo estridente. Parecia uma gralha.

 

E a situação piorou quando o Olaria empatou com uma bola vadia quase no fim do primeiro tempo.

 

Empolgado com o empate, seus gritos aumentaram de volume e tivemos que aguentar durante os quinze minutos de intervalo, que pareceram uma eternidade, sua gritaria ensurdecedora. 


"O Castilho vai engolir um frango", "Hoje a leiteria vai fechar", referindo-se ao apelido de leiteiro, colocado em nosso goleiro pelos frustrados adversários, devido à frequência com que várias bolas batiam em suas traves.


Os recalcados preferiam associar à pura sorte o fato de suas traves salvarem vários gols, esquecendo-se ou não querendo enxergar que o grande senso de colocação de nosso goleiro era a causa das inúmeras chances perdidas.


A certa altura, o cricri colocou uma pena no chapéu numa alusão à mascote do Olaria e nos infernizava com arremedos de canções que ele provavelmente julgava serem de origem indígena e tentava imitar o som de hipotéticas línguas dos índios.


Ninguém mais tinha ânimo para reagir, nem xingamentos nem vaias. A preocupação maior era o empate e o receio que se repetisse o desastre ocorrido no campeonato passado.


E nem o segundo gol tricolor, conquistado logo no início do segundo tempo, arrefeceu os ânimos da figurinha, que continuou gritando que o Castilho ainda iria tomar um frango.

 

E os berros continuaram até o terceiro gol tricolor, quando finalmente ele se calou.

 

Foi a hora do revide às insuportáveis gozações.

 

“Cadê o empate do timinho”? E outros gritos e xingamentos.

 

O panorama tinha mudado. O cricri, agora sentado, apenas esboçava um sorriso amarelo contra os xingamentos vindos dos mais exaltados da social tricolor.

 

Cheguei a ficar com pena dele, sozinho, cabisbaixo e sofrendo todo o tipo de represália pela ousadia de ter desafiado a nossa torcida.

 

Gol do Fluminense: 4 x1. Alegria geral.  


Foi quando meu pai olhou para a arquibancada e perguntou: "cadê ele"? Ele tinha sumido.


Enquanto comemorávamos o quarto gol, ele saiu de fininho e desapareceu.




 

Deixamos as Laranjeiras satisfeitos com a boa vitória, mas com os ouvidos doendo de tanta baboseira gritada pelo falso índio Bariri.

 

Na semana seguinte, os jornais exaltavam a atuação de Ambrois, autor de dois gols, um deles verdadeiro gol de placa, numa arrancada onde driblou quase toda a defesa bariri e o próprio goleiro Anibal. 

 

Teve participação efetiva nas jogadas do terceiro gol ao cabecear na trave e propiciar que Robson aproveitasse o rebote e ampliasse o placar.

 

 

AMBROIS

 


Javier Ambrois, atacante da Seleção Uruguaia, chegou ao Fluminense numa troca com o goleiro Veludo, eterno reserva de Castilho.

 

O Nacional, clube uruguaio que detinha o seu passe, precisava de um goleiro de alto nível e julgava ser fácil convencer Veludo a se transferir, porque com Castilho no time suas chances de jogar seriam mínimas.

 

As tentativas já vinham desde algum tempo, mas naquela época   os presidentes do Fluminense não se deixavam levar por qualquer proposta de dez “merréis” de mel coado, como os de hoje em dia, que pouco se importam com os resultados do clube em campo.

 

Nossas "pratas da casa" só eram liberadas em condições excepcionalmente vantajosas para o clube.

 

No entanto, a saída inesperada de Carlyle e a grave contusão de Marinho deixaram o elenco sem centro avante experiente e os uruguaios aproveitaram a oportunidade para sugerir uma troca pelo atacante incompatibilizado com a diretoria do clube, que acabou sendo aceita.

 

Muitos torcedores provavelmente nunca ouviram falar de Ambrois pela brevidade de sua permanência, mas a verdade que a partir daquele jogo ele desencantou e seu faro de gol voltou com toda a força.

 

Passou a ser o artilheiro que o time precisava e praticamente não deu vez ao jovem Waldo, que começava a despontar como grande goleador.

 

Suas atuações despertaram o interesse do Boca Juniors que depois de insistentes assédios acabou por levá-lo para Buenos Aires, onde brilhou intensamente antes de retornar ao Uruguai.

 

Pelo lado tricolor a saída de Ambrois no ano seguinte possibilitou a titularidade absoluta a Waldo, atacante que acabaria se consagrando como o maior artilheiro do Fluminense de todos os tempos.


Continua com: Tremenda odisseia para assistir a apenas a um gol.