Não me lembrava se numa quarta ou quinta-feira até recorrer ao Globo da época para saber
que foi numa quinta.
Por mais que tentasse
arranjar uma companhia para ir ao estádio, não consegui viva alma para me
acompanhar.
Até o Mauro, meu fiel
escudeiro para os jogos do Flu, tinha um compromisso.
Paciência, acabei desistindo
e apelei para o rádio.
Enquanto ouvia as resenhas
que antecediam o jogo, todas elegendo o Tricolor como favorito, a vontade de
estar no estádio aumentava.
O time, campeão do ano
anterior, estava invicto na competição e vinha jogando o fino da bola, como nas
vitórias contra o Corinthians em pleno Pacaembu e a goleada acachapante de 7 a
2 no São Paulo.
A empolgação venceu e
resolvi partir para o Maraca, apesar de faltar menos de uma hora para o início.
Em condições normais levaria
cerca de quarenta a cinquenta minutos das Laranjeiras até o Maracanã, então
valia o risco.
Não existia o Metrô, então o
modo mais rápido de chegar seria pegar qualquer linha de ônibus que passasse na
Presidente Vargas e de lá outro que fosse para o estádio.
Infelizmente as peripécias
da viagem demonstraram que não se tratava de uma noite normal.
Quase chegando ao ponto vi
um ônibus partindo. O próximo só chegou quase dez minutos depois.
Uma solenidade no Palácio do
Catete tornou o trânsito pesado na rua do Catete e me atrasou mais ainda. Enfim chegamos na
Presidente Vargas.
Peguei um Copacabana-Meyer
quase lotado quando faltavam cerca de dez minutos para o começo do jogo.
Mesmo assim, não desisti.
Afinal de contas como dizia Vicente Matheus, o folclórico presidente do
Corinthians: “Quem está na chuva é para se queimar”.
Fiquei perto do trocador que
ouvia a transmissão por um daqueles famosos radinhos de pilhas, os populares
“tijolinhos” que muitos torcedores levavam para os estádios e, às vezes revoltados
com as derrotas ou com os erros de arbitragem os lançavam para dentro do campo.
E o jogo começou. Ao passar
pela Praça da Bandeira, gol do Vasco.
Não deu nem para me refazer
do susto porque logo na entrada da Ibituruna outro gol do Vasco.
Dois a zero antes dos dez
minutos de jogo. Comecei a achar que teria sido melhor ficar em casa.
Finalmente, o ônibus chegou
ao ponto da rua Mata Machado, o mais próximo.
Corri para as bilheterias e
esbarrei em retardatários como eu batalhando por ingressos, problema aumentado
porque algumas já estavam fechadas.
Enquanto esperava na fila,
uma gritaria típica de gol vindo de dentro do estádio.
De quem seria? Se fosse do
Vasco, já estava preparado para dar meia volta e retornar para casa.
Gol do Fluminense, gritou
alguém de dentro da bilheteria.
Vinte minutos de jogo e eu
ainda na fila, mas enquanto esperava minha vez pensava que 2 a 1 dava para
virar, afinal nossa linha tinha craques como Valdo, Telê, Escurinho e Maurinho.
Finalmente consegui minha
entrada.
Àquela altura a
possibilidade maior para encontrar um lugar para sentar seria nas arquibancadas superiores,
então tratei de apertar o passo.
Ao chegar na metade da
última rampa, outro grito da galera.
Mais um gol, de quem teria
sido?
Corri o máximo que pude e
chegando lá em cima olhei direto para o placar: 2 a 2.
Pulei de alegria e gritei
como um doido sem me dar conta de que a partida já tinha recomeçado.
Os torcedores próximos
olhavam para mim sem entender o porquê de continuar pulando como uma capivara
enquanto o jogo rolava.
Sentei-me no primeiro lugar
disponível e só depois de uns cinco minutos é que me refis da corrida
desabalada pelas rampas do estádio e tive forças pra perguntar a um tricolor
vizinho quem tinha feito os gols.
Resposta óbvia: Valdo,
claro.
Perguntei quem estava melhor
e ele deu uma pincelada do que acontecera até aquele momento.
“O Vasco entrou a mil, fez
um gol aos quatro minutos e na saída tomaram a bola e fizeram outro”. “Depois
só deu Fluminense”, disse ele.
Acho que o esforço para
empatar cansou o time porque daí até o intervalo o jogo ficou morno.
Depois do intervalo o Vasco
voltou com mais ímpeto e tentava restabelecer sua vantagem de todos os modos.
A correria era geral, mas
seus bons atacantes Pinga, Delém e Sabará esbarravam na nossa zaga, agora mais
segura depois da orientação passada por Zezé Moreira para Clóvis proteger de
perto o jovem Paulo, que sentia a responsabilidade de substituir Pinheiro.
Que tranquilidade quando seu
clube tem um treinador que enxerga o jogo e sabe corrigir as falhas!
Até o final nas poucas vezes
que os vascaínos conseguiram passar pela zaga esbarravam nas mãos do Castilho.
Aos poucos o Fluminense
equilibrou a partida e numa jogada rápida de contra-ataque Waldo marcou
novamente.
Aí foi só segurar o
resultado.
Ao fim do jogo enquanto
saboreávamos um delicioso “Geneal”, tradição gourmet do Maraca na época, o tricolor
amigo recente me contava todos os lances importantes da parte do jogo que eu tinha perdido com destaque para a falha bisonha de Paulo no gol do Delém.
Voltei para casa feliz por
ter feito a escolha certa, mas só fui ver os quatro primeiros gols do jogo dias
depois no cinema, através do Canal 100, de Carlinhos Niemeyer.
Durante a semana seguinte encontrei
vários amigos que não se dispuseram a ir ao Maracanã e muitos me confidenciaram
que não foram por pura preguiça e estavam arrependidos de terem perdido uma
jogaço com mais uma atuação de gala de Waldo.
No dia seguinte, os jornais davam ênfase à vitória tricolor, como a chamada da capa do Jornal dos Sports, reproduzida a seguir.
"O Vasco iniciou o jogo de maneira arrasadora, assinalando dois gols em cinco minutos, mas o Fluminense reagiu com decisão, passou a dominar e marchou para a vitória. – Uma grande peleja – Valdo assinalou os gols da vitória – Pinga e Delém fizeram os gols relâmpagos do Vasco – Arrecadação de Cr$ 1.471.575,00 – A peleja em revista (página 8)."
O FENÔMENO WALDO
Foto: lance.com.br |
Com a transferência de Ambrois para o Boca Juniors, assumiu definitivamente o comando do ataque tricolor até a sua saída para o Valencia em 1961.
Com um estilo simples de jogar, sem firulas desnecessárias acertava as metas adversárias com muita precisão, característica que o tornou artilheiro da equipe durante todos os anos em que vestiu nossa camisa, como mostra o quadro a seguir, criado com base nas informações obtidas do blog "JORNALHEIROS", do amigo PC Filho.
Waldo foi campeão carioca de 1959, dos Torneios Rio-São Paulo de 1957 e 1960, quando foi artilheiro em ambos, além de uma série de conquistas em competições nacionais e internacionais.
Cabe destacar que o Torneio Rio-São Paulo era uma competição bastante equilibrada. Os quatro grandes das duas cidades possuiam em seus elencos craques consagrados, exemplo máximo o rei Pelé.
Para que os que não viveram a época terem uma ideia melhor da qualidade do futebol brasileiro, basta um rápido olhar para a relação dos jogadores que participaram dos torneios nos anos de 1957 e 1960.
Botafogo: Bauer, Newton Santos, Garrincha, Didi, Quarentinha, Paulo Valentim e Zagalo;
Corinthians: Gilmar, Claudio, Luizinho, Baltazar e Zague;
Flamengo: Joubert, Jadir, Jordan, Joel, Moacir, Índio, Henrique e Babá;
Fluminense: Castilho, Jair Marinho, Pinheiro, Clovis, Altair, Maurinho, Waldo, Telê e Escurinho;
Santos: Manga, Urubatão, Zito, Dorval, Álvaro, Pagão, Del Vecchio, Tite, Pepe e Pelé;
São Paulo: De Sordi, Mauro, Baltazar, Gino e Canhoteiro;
Vasco da Gama: Barbosa, Paulinho, Bellini, Laerte, Orlando, Sabará, Pinga, Delém e Roberto Pinto.
Em sua carreira, Waldo marcou 319 gols pelo Fluminense em 403 jogos, média de 0,79 por partida.
É o maior artilheiro da história do Fluminense e até hoje possui a melhor média dentre os maiores artilheiros dos clubes do Rio de Janeiro.
2 comentários:
Sensacional a história, meu amigo. Essa virada contra o Vasco é memorável. Já ouvi relatos de diversos tricolores que se emocionaram nesse dia.
Verdade PC. Comparando o Fluminense daquele tempo com o de hoje o sentimento de nostalgia é inevitável.
Abraços amigo.
Postar um comentário