domingo, 18 de outubro de 2020

Histórias vividas com o Fluminense: 6 - Uma verdadeira odisseia para assistir apenas a um gol e perder um hat-trick do Waldo.



Mais um jogo contra o Vasco, desta vez pelo Rio-São Paulo de 1960.

Não me lembrava se numa quarta ou quinta-feira até recorrer ao Globo da época para saber que foi numa quinta.

Por mais que tentasse arranjar uma companhia para ir ao estádio, não consegui viva alma para me acompanhar.

Até o Mauro, meu fiel escudeiro para os jogos do Flu, tinha um compromisso.

Paciência, acabei desistindo e apelei para o rádio.

Enquanto ouvia as resenhas que antecediam o jogo, todas elegendo o Tricolor como favorito, a vontade de estar no estádio aumentava.

O time, campeão do ano anterior, estava invicto na competição e vinha jogando o fino da bola, como nas vitórias contra o Corinthians em pleno Pacaembu e a goleada acachapante de 7 a 2 no São Paulo.

A empolgação venceu e resolvi partir para o Maraca, apesar de faltar menos de uma hora para o início.

Em condições normais levaria cerca de quarenta a cinquenta minutos das Laranjeiras até o Maracanã, então valia o risco.    

Não existia o Metrô, então o modo mais rápido de chegar seria pegar qualquer linha de ônibus que passasse na Presidente Vargas e de lá outro que fosse para o estádio.

Infelizmente as peripécias da viagem demonstraram que não se tratava de uma noite normal.

Quase chegando ao ponto vi um ônibus partindo. O próximo só chegou quase dez minutos depois.

Uma solenidade no Palácio do Catete tornou o trânsito pesado na rua do Catete e me atrasou mais ainda. Enfim chegamos na Presidente Vargas.

Peguei um Copacabana-Meyer quase lotado quando faltavam cerca de dez minutos para o começo do jogo.

Mesmo assim, não desisti. Afinal de contas como dizia Vicente Matheus, o folclórico presidente do Corinthians: “Quem está na chuva é para se queimar”.

Fiquei perto do trocador que ouvia a transmissão por um daqueles famosos radinhos de pilhas, os populares “tijolinhos” que muitos torcedores levavam para os estádios e, às vezes revoltados com as derrotas ou com os erros de arbitragem os lançavam para dentro do campo.

E o jogo começou. Ao passar pela Praça da Bandeira, gol do Vasco.

Não deu nem para me refazer do susto porque logo na entrada da Ibituruna outro gol do Vasco.

Dois a zero antes dos dez minutos de jogo. Comecei a achar que teria sido melhor ficar em casa.

Finalmente, o ônibus chegou ao ponto da rua Mata Machado, o mais próximo.

Corri para as bilheterias e esbarrei em retardatários como eu batalhando por ingressos, problema aumentado porque algumas já estavam fechadas.

Enquanto esperava na fila, uma gritaria típica de gol vindo de dentro do estádio.

De quem seria? Se fosse do Vasco, já estava preparado para dar meia volta e retornar para casa.

Gol do Fluminense, gritou alguém de dentro da bilheteria.

Vinte minutos de jogo e eu ainda na fila, mas enquanto esperava minha vez pensava que 2 a 1 dava para virar, afinal nossa linha tinha craques como Valdo, Telê, Escurinho e Maurinho.

Finalmente consegui minha entrada.

Àquela altura a possibilidade maior para encontrar um lugar para  sentar seria nas arquibancadas superiores, então tratei de apertar o passo.

Ao chegar na metade da última rampa, outro grito da galera.

Mais um gol, de quem teria sido?

Corri o máximo que pude e chegando lá em cima olhei direto para o placar: 2 a 2.

Pulei de alegria e gritei como um doido sem me dar conta de que a partida já tinha recomeçado.

Os torcedores próximos olhavam para mim sem entender o porquê de continuar pulando como uma capivara enquanto o jogo rolava.

Sentei-me no primeiro lugar disponível e só depois de uns cinco minutos é que me refis da corrida desabalada pelas rampas do estádio e tive forças pra perguntar a um tricolor vizinho quem tinha feito os gols.

Resposta óbvia: Valdo, claro.

Perguntei quem estava melhor e ele deu uma pincelada do que acontecera até aquele momento.

“O Vasco entrou a mil, fez um gol aos quatro minutos e na saída tomaram a bola e fizeram outro”. “Depois só deu Fluminense”, disse ele.

Acho que o esforço para empatar cansou o time porque daí até o intervalo o jogo ficou morno.

Depois do intervalo o Vasco voltou com mais ímpeto e tentava restabelecer sua vantagem de todos os modos.

A correria era geral, mas seus bons atacantes Pinga, Delém e Sabará esbarravam na nossa zaga, agora mais segura depois da orientação passada por Zezé Moreira para Clóvis proteger de perto o jovem Paulo, que sentia a responsabilidade de substituir Pinheiro.

Que tranquilidade quando seu clube tem um treinador que enxerga o jogo e sabe corrigir as falhas!

Até o final nas poucas vezes que os vascaínos conseguiram passar pela zaga esbarravam nas mãos do Castilho.

Aos poucos o Fluminense equilibrou a partida e numa jogada rápida de contra-ataque Waldo marcou novamente.

Aí foi só segurar o resultado.

Ao fim do jogo enquanto saboreávamos um delicioso “Geneal”, tradição gourmet do Maraca na época, o tricolor amigo recente me contava todos os lances importantes da parte do jogo que eu tinha perdido com destaque para a falha bisonha de Paulo no gol do Delém.

Voltei para casa feliz por ter feito a escolha certa, mas só fui ver os quatro primeiros gols do jogo dias depois no cinema, através do Canal 100, de Carlinhos Niemeyer.

Durante a semana seguinte encontrei vários amigos que não se dispuseram a ir ao Maracanã e muitos me confidenciaram que não foram por pura preguiça e estavam arrependidos de terem perdido uma jogaço com mais uma atuação de gala de Waldo.

No dia seguinte, os jornais davam ênfase à vitória tricolor, como a chamada da capa do Jornal dos Sports, reproduzida a seguir.


"O Vasco iniciou o jogo de maneira arrasadora, assinalando dois gols em cinco minutos, mas o Fluminense reagiu com decisão, passou a dominar e marchou para a vitória. – Uma grande peleja – Valdo assinalou os gols da vitória – Pinga e Delém fizeram os gols relâmpagos do Vasco – Arrecadação de Cr$ 1.471.575,00 – A peleja em revista (página 8)." 

Nas entrevistas de vestiários, comuns naqueles anos, um reporter de "O GLOBO" informou ao Vice Presidente de futebol Dilson Guedes que o Boca Juniors estaria enviando um emissário às Laranjeiras para levar o Waldo para a Argentina. A resposta, reproduzida a seguir, foi categórica.



Já pensaram, caros tricolores, se tivéssemos um Dilson Guedes nos dias de hoje o timaço que o Fluminense poderia ter?



O FENÔMENO WALDO

Foto: lance.com.br

Waldo chegou ao Fluminense no início da década de 50 pelas mãos de Dilson Guedes, Vice-Presidente de futebol, que o descobriu nos juvenis do Fluminense de Niteroi.

Profissionalizou-se em 1954 e em suas poucas participações na equipe principal já deixava antever que não precisaria de muito tempo para se sobrepor a Ambrois, o centro avante titular da equipe.

Com a transferência de Ambrois para o Boca Juniors, assumiu definitivamente o comando do ataque tricolor até a sua saída para o Valencia em 1961.

Com um estilo simples de jogar, sem firulas desnecessárias acertava as metas adversárias com muita precisão, característica que o tornou artilheiro da equipe durante todos os anos em que vestiu nossa camisa, como mostra o quadro a seguir, criado com base nas informações obtidas do blog "JORNALHEIROS", do amigo PC Filho.   



Waldo foi campeão carioca de 1959, dos Torneios Rio-São Paulo de 1957 e 1960, quando foi artilheiro em ambos, além de uma série de conquistas em competições nacionais e internacionais.

Cabe destacar que o Torneio Rio-São Paulo era uma competição bastante equilibrada. Os quatro grandes das duas cidades possuiam em seus elencos craques consagrados, exemplo máximo o rei Pelé.

Para que os que não viveram a época terem uma ideia melhor da qualidade do futebol brasileiro, basta um rápido olhar para a relação dos  jogadores que participaram dos torneios nos anos de 1957 e 1960.

Botafogo: Bauer, Newton Santos, Garrincha, Didi, Quarentinha, Paulo Valentim e Zagalo;

Corinthians: Gilmar, Claudio, Luizinho, Baltazar e Zague;

Flamengo: Joubert, Jadir, Jordan, Joel, Moacir, Índio, Henrique e Babá;

Fluminense: Castilho, Jair Marinho, Pinheiro, Clovis, Altair, Maurinho, Waldo, Telê e Escurinho;

Santos: Manga, Urubatão, Zito, Dorval, Álvaro, Pagão, Del Vecchio, Tite, Pepe e Pelé;

São Paulo: De Sordi, Mauro, Baltazar, Gino e Canhoteiro;

Vasco da Gama: Barbosa, Paulinho, Bellini, Laerte, Orlando, Sabará, Pinga, Delém e Roberto Pinto.     

Em sua carreira, Waldo marcou 319 gols pelo Fluminense em 403 jogos, média de 0,79 por partida.

É o maior artilheiro da história do Fluminense e até hoje possui a melhor média dentre os maiores artilheiros dos clubes do Rio de Janeiro.    



Continua com O Encontro com Ademir

2 comentários:

PC Filho disse...

Sensacional a história, meu amigo. Essa virada contra o Vasco é memorável. Já ouvi relatos de diversos tricolores que se emocionaram nesse dia.

Helio R.L. disse...

Verdade PC. Comparando o Fluminense daquele tempo com o de hoje o sentimento de nostalgia é inevitável.

Abraços amigo.