terça-feira, 21 de abril de 2020

Histórias vividas com o Fluminense: 3. Como meu tio André tornou-se amigo pessoal de dirigentes e jogadores de destaque do futebol brasileiro


Em 1941, atendendo a convocação de seu país, meu pai e seu irmão André apresentaram-se na Embaixada da Holanda no Rio de Janeiro.

Meu pai foi reprovado por ter miopia grave e usar óculos com lentes "fundo de garrafa", mas André na plenitude de seus dezoito anos foi aprovado e partiu para um período de treinamento no Canadá, tendo sido incorporado ao Exército da Holanda em junho de 1942.

Combateu por cerca de três anos na Inglaterra, França, Bélgica e Holanda, conforme atesta o certificado que recebeu da Embaixada Holandesa, que ele exibia com orgulho sempre que havia oportunidade.

Na verdade, segundo ele, como a Inglaterra não chegou a ser ocupada pelos alemães, a passagem por lá foi quase um passeio em comparação às agruras que enfrentou nos campos de batalha dos demais países.

Pôde até dar-se ao luxo de enviar postais como o da foto abaixo quando da passagem pela cidade de Blackburn, no qual promete o envio de cartas em breve, cartas que nunca chegaram porque se extraviaram, foram censuradas ou não puderam ser escritas em plenos campos de batalha.

Postal enviado em 06 de agosto de 1943 da cidade de Blackburn, Inglaterra.


Com o fim da guerra teve a opção de ser incorporado ao Exército. 

Ao preferir voltar ao Brasil, onde já se encontravam seus familiares, recebeu o convite de servir como soldado na Embaixada da Holanda no Rio de Janeiro.

Mais tarde, com a chegada ao Brasil da KLM__ Companhia Real Holandesa de Aviação, candidatou-se a um cargo e apresentou seu currículo onde destacava ter combatido na guerra pelo Exército Holandês, além da fluência escrita e falada nos idiomas holandês e português.

Era o candidato certo, no lugar certo e na hora certa e que se tornou peça chave na companhia porque naquela época os holandeses ocupantes dos cargos de direção, apesar de poliglotas, não dominavam plenamente o português, “arranhando” apenas poucas palavras.

Além do português e do holandês, André também era fluente em inglês e francês, condição que lhe possibilitou galgar cargos importantes em pouco tempo.

Há que se destacar que logo depois na década de cinquenta as viagens ao exterior de clubes brasileiros cresceram sobremodo.

Inúmeras foram as excursões e participações em torneios na Europa para onde a KLM possuía uma das maiores malhas.

Cabe acrescentar que o nosso calendário não era a loucura de hoje.

O campeonato Brasileiro não existia, as competições eram estaduais ou regionais e a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) cuidava basicamente da Seleção Nacional e do Torneio de Seleções Estaduais e assim não influenciava tanto os grandes clubes, todos sem exceção com elencos estelares.

André passou a coordenar a parte aérea de muitas dessas excursões e acabou desenvolvendo amizade com dirigentes de vários clubes, sendo convidado inclusive para participar das delegações em diversas ocasiões quando serviu como uma espécie de facilitador nos diversos países visitados.

Não se esqueçam de que naquela época, línguas estrangeiras eram quase que segredo para a grande maioria dos futebolistas.  

As fotos a seguir mostram algumas de suas passagens durante a guerra: a primeira num momento de folga antes de partirem para os campos de batalha; as duas seguintes mostram a rua Noordweg em frente ao número 162, em Middelburg-Holanda inundada devido à destruição de um dos diques de contenção tomadas antes da chegada das forças holandesas e a quarta, obtida por um dos soldados, retrata o instante da entrada do Exército Holandês na cidade. As duas últimas obtidas do Googe Street Views retratam o mesmo local nos dias atuais.



André é o do centro. Toda a vez que via essa foto deixava 
escapar lágrimas ao lamentar a morte de um de seus amigos,
o da esquerda na foto, morto em combate a seu lado. 
                                                                   
          1944: Inundatie Walcheren. De Noordweg (St. Laurens/Middelburg)                          Crédito imagem: https://br.pinterest.com/pin
Outra foto do mesmo local obtida da Internet.
Chegada do Exército Holandês, do qual André fazia parte, em Middelburg, Sint Laurens,
(rua Noordweg nas proximidades do número 162).
(Foto tomada por um dos integrantes da Companhia)




Ao contrário do que muitas pessoas pensam, os diques de contenção das águas do mar não foram dinamitados pelos alemães e sim pela própria Resistência Holandesa com o objetivo de dificultar as invasões do inimigo. 


Finalmente, com o término da guerra, o registro de um momento de descontração dos amigos sobreviventes: o passeio tranquilo na Jacob Catsstraat, Den Haag, em frente ao número 224 sob o olhar curioso de uma loura local, ainda um pouco assustada e o mesmo local nos dias de hoje.                                                                                                                                                                                                       

             
Jacob Catsstraat nos dias atuais

***** 

Continua com: O caos generalizado, a "esperteza" de Pinheiro e a redenção de Marinho.


Nenhum comentário: