sábado, 11 de abril de 2020

Histórias vividas com o Fluminense: 2. A Visita de Castilho



A presente passagem aconteceu de verdade, embora os mais novos, em especial os nascidos nas últimas décadas e acostumados com a “paparicação exagerada aos jogadores de hoje, provavelmente pensarão tratar-se de uma simples história da carochinha.

Castilho foi o atleta que mais atuou pelo Fluminense, 697 jogos em dezoito anos defendendo a gloriosa camisa tricolor.

Não existe nenhum outro atleta com maior dedicação ao clube de coração, afinal quem poderia imaginar qualquer dos jogadores atuais extirparem parte de um dedo, quebrado no decorrer de uma partida, apenas para voltar mais depressa às atividades?

A história de Castilho no Fluminense é tão ampla que se torna impossível contá-la num espaço tão pequeno. Felizmente, ela está imortalizada em várias publicações disponíveis para quem quiser saber mais sobre o símbolo nº 1 do Tricolor Verdadeiro.   

A presença de Castilho na casa de meus pais ocorreu na minha infância, quando tinha cerca de oito ou nove anos e permanece indelével em minha mente até hoje, justamente porque seria impossível para um moleque daquela idade esquecer a visita do ídolo maior de seu clube de coração.

Conquanto os detalhes que provocaram a presença de Castilho na casa de meus pais continuem bem nítidos para mim, não consegui obter dados que comprovassem a sua causa em todas as pesquisas que fiz.

Acessei o acervo da Biblioteca Nacional à procura de alguma reportagem ou mesmo de uma simples nota nos principais jornais da época, “Jornal dos Sports”, “Diário de Notícias”, “Jornal do Brasil”, “O Campeão”, “A Noite”, “Correio da Manhã”, “O Globo” e nada encontrei. 

Na verdade, cansei no meio da pesquisa depois de tanto examinar inúmeros exemplares. Pode ser que mais tarde volte a ter ânimo para retornar.

Antes de continuar é preciso passar para os mais jovens o panorama do que era o futebol nas décadas de 50 e 60, muito diferente dos dias atuais

Naquela época, por exemplo, os pais de família olhavam para os jogadores de futebol com resistência antes de permitir o namoro com suas filhas.

O próprio Zagallo, ícone das Seleções Brasileiras, em várias entrevistas concedidas confessou que para namorar a esposa teve que dizer aos futuros sogros que era economista, ou que estudava Economia ou algo do tipo, não me lembro bem.

De um modo geral, os jogadores eram considerados pelos clubes como simples empregados e em muitos deles proibidos de entrar em suas dependências pela entrada social.   

Lembro-me bem, moleque ainda, vê-los entrar para os treinamentos pela entrada lateral da rua Pinheiro Machado. Exceção à regra era Orlando Pingo de Ouro, que já era sócio do clube antes de se tornar jogador.

Depois que abandonou o futebol continuou a frequentar as dependências sociais e num dos vários contatos que mantivemos ele confirmou que realmente era assim que as coisas aconteciam.

Em suma, naquela época ser jogador de futebol não era nada charmoso.

Jogadores milionários, badalados, mimados por dirigentes, empresários, treinadores e órgãos de imprensa, alguns até demais para meu gosto, é coisa relativamente nova.

Muitos deles quando paravam de jogar conseguiam um “biquinho” em seu clube ou em alguma federação para poder sobreviver, alguns inclusive em funções bem modestas.

Outros, sem cabeça boa para poupar enquanto conseguiam jogar ficaram na miséria e tiveram dificuldades.

Ninguém tinha carro, pelo menos os que jogavam no Fluminense na época em que eu frequentava o clube com mais constância.

Iam para os treinamentos de ônibus ou bonde e da janela de meu quarto na Soares Cabral, rua que desemboca na Álvaro Chaves, enquanto me arrumava para ir ao colégio os via quase todos os dias passarem caminhando em direção ao campo para os treinamentos.

O mais popular era o Bigode, que ao ser chamado, respondia acenando o jornal, que sempre trazia dobrado debaixo do braço.

Voltando à causa que provocou a inimaginável visita do Castilho.

Um dos jornais de grande circulação na cidade do Rio de Janeiro, resolveu fazer uma promoção junto aos torcedores para eleger o melhor, ou o mais popular, craque do futebol carioca.

O patrocínio era de uma cervejaria, não lembro bem, se Brahma ou Antártica, que disputavam o mercado acirradamente. Cada tampinha de cerveja ou refrigerante valia 1 (um) voto.

As pessoas teriam que juntá-las e trocá-las por cupons e em cada troca, eram registradas nos cupons a quantidade de votos de acordo com número de tampinhas entregues.

Ao final da apuração, os primeiros colocados receberiam prêmios, sendo que o do escolhido como melhor era almejado por todos. Confesso que hoje não tenho a mínima ideia qual era o prêmio 

À princípio não me interessei em participar até que meu tio André me convenceu ao afirmar que se eu conseguisse bastante tampinhas ele levaria o Castilho lá em casa para pegá-las.

Tratava-se de uma quantidade enorme, trezentas, quinhentas, sei lá.

No entanto, receber a visita do ídolo compensaria qualquer esforço e então parti para o desafio.

Levei vantagem na coleta porque na esquina das ruas Soares Cabral e Laranjeiras havia um bar, onde quase sempre algumas pessoas batiam papo enquanto lanchavam.

Na realidade, não era bem um bar e sim uma espécie de mercearia que comercializava gêneros de primeira necessidade e também servia sanduíches e tira gostos acompanhados de cervejas e refrigerantes num pequeno anexo.

Conhecia bem o proprietário, um português de nome Miranda, porque passava por lá com frequência para pegar as compras encomendadas por minha mãe.

Falei sobre o concurso e pedi que guardasse todas as tampinhas para mim, garantindo que eu iria buscá-las todos os dias, fizesse chuva ou sol.

Tive o cuidado de pedir de todos os fabricantes porque achei que se pedisse para separá-las por marca provavelmente levaria um sonoro não.

Ele achou graça no pedido e concordou que as guardaria, mas que eu teria que pegá-las sempre antes de fechar o estabelecimento.

E assim, diariamente eu carregava para casa de trinta a trinta e cinco tampinhas, número que aumentava nas sextas-feiras e sábados.

E depois de separar as da marca desejada, conseguia em torno de noventa ou cem por semana, além das que achava na rua, ou no pátio do colégio.

Pedi também a ajuda de Geninho, um amigo tricolor, que morava perto para me ajudar com a promessa de convidá-lo no dia da visita tão esperada.

Parei de contá-las ao conseguir juntar pouco mais de trezentas e cinquenta, que distribuí em quatro sacos grandes conseguidos com o Sr. Miranda.

Faltava ainda um bom tempo para o encerramento do concurso e a apuração dos mais votados, mesmo assim informei ao André que já tinha quantidade suficiente para justificar a visita e fiquei no aguardo da chegada do ídolo.

Até que chegou o dia. Geninho, o amigo que me ajudou na coleta e eu passamos quase a tarde toda na varanda, olhando de um lado para o outro para ver se meu tio nos tinha pregado alguma peça ou se estava falando a verdade.

Ao final da tarde desistimos e entramos para encarar um encorpado lanche que minha mãe tinha preparado para nós.

Pouco depois a campainha tocou e lá estavam André, Castilho e um jovem, que foi apresentado como um amigo que ajudaria a carregar as tampinhas.   

Ficamos, Geninho e eu, meio que abobalhados e quase não falamos.

Aos poucos a conversa fluiu, mas quem comandava tudo era o André, único que falava com desenvoltura e contava várias passagens ocorridas quando das excursões do time do Fluminense.

Castilho concordava, mas também quase não falava. A maioria das vezes limitava-se a sorrir e balançar a cabeça num sinal de concordância.

Incentivado pelo André passou a contar algumas histórias acontecidas durante os jogos e também nas famigeradas concentrações.  

Foi uma visita não muito longa porque dia seguinte haveria treinamento pela manhã. Durou cerca de quarenta a cinquenta minutos, no máximo.

A emoção era tão grande que nem nos lembramos de colher um simples autógrafo para registrar o momento importante. E que falta fazia um celular.

Despedidas, agradecimentos e lá foram os dois com certa dificuldade para carregar os sacos.

André ficou para o jantar e continuou contando suas histórias, inéditas para meu amigo.

Durante o jantar enquanto contava a aventura para meu pai, minha mãe fez apenas uma observação: “como é tímido o Castilho, quase não fala”. 

A família de Geninho mudou-se do bairro, cursamos universidades diferentes e aos poucos fomos perdendo o contato até que não mais nos vimos, mas certamente até hoje ele deve lembrar da aventura.

O inusitado da história é que não me recordo se o Castilho ganhou o concurso, acho que sim, mas não tenho certeza absoluta.

Os céticos ainda podem estar duvidando de como o meu tio André, um cidadão holandês que chegou ao Brasil com apenas três anos de idade, tinha tanto trânsito com a turma graúda do futebol.

Na realidade foi por pura sorte. Um fato que poderia ter sido trágico e acabou servindo de trampolim para que ele alcançasse condições   inimagináveis em sua vida.





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Continua com "Como meu tio André tornou-se amigo pessoal de dirigentes e jogadores de destaque do futebol brasileiro."

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