sábado, 17 de setembro de 2022

XERÉM - REALIDADE OU CILADA?

 

Qualquer análise isenta da questão acima levará à conclusão de que ambas as assertivas são verdadeiras.

No âmbito da criação de jogadores fora de série ninguém se atreveria a negar a realidade do Vale das Laranjeiras. Isto porque salta aos olhos de qualquer mortal a miríade de craques formados na base tricolor que brilham não só no futebol brasileiro, como também nos maiores clubes europeus.

Já quanto aos benefícios proporcionados ao clube e à satisfação de sua enorme torcida, razão única ser de qualquer clube de futebol, é inegável que Xerém não passa de um mero engodo.

Situação que já ocorre há mais de duas décadas, mercê de seguidas administrações desastrosas, período em que o Fluminense praticamente sumiu do cenário nacional, passando da situação de clube temido pelos rivais para se transformar apenas em galhofas para os adversários.

Dirão os mais céticos que a análise não está correta porque nesse período o Fluminense conquistou três títulos nacionais em 2007, 2010 e 2012, o que não deixa de ser verdade.

Mas, é preciso que se tenha em mente que esses títulos foram conquistados na era da Unimed e representam muito pouco se  for considerado o fato de que o patrocínio durou cerca de quinze anos.

Administrações horrorosas, lideradas por presidentes ególatras preocupados apenas com suas aspirações pessoais, apequenaram o Fluminense e o transformaram num arremedo de clube de futebol.

Praticamente nenhum de nossos craques conseguiu disputar um campeonato inteiro, negociados que foram por preços vis que jamais serviram para resolver, ou ao menos amenizar nossas questões financeiras.

O Fluminense hoje é um clube de pires na mão. Sempre que aparece uma oportunidade, seu presidente declara em alto e bom som que é preciso vender uma ou duas revelações para equilibrar as finanças.

Sinal claro aos interessados que é só apresentar qualquer proposta por mais irrisória que seja, que o negócio será fechado. E ainda existem os famosos bônus, pagos se metas inatingíveis forem alcançadas, uma espécie de trapaça para enganar os torcedores.  Burrice pura, embora muitos duvidem que seja só questão de burrice.

A consequência lógica é que Xerém tem causado muitos mais prejuízos do que benesses ao Fluminense.

Inúmeros são os exemplos, como provam os dois mais recentes: a classificação do arquirrival para a final da Libertadores, quando venceu  o Vélez Sársfield por 6 a 1 no placar agregado, com “CINCO” gols marcados por jogadores da base tricolor, quatro de Pedro e um de Marinho.

O outro marcante é a última relação de convocados para os amistosos da Seleção Brasileira antes da realização da Copa do Catar, onde constam quatro atletas formados em Xerém: Thiago Silva, Ibañez, Fabinho e Pedro.

Depois da desgraça que foram as administrações de Peter e Abad, fui entusiasta da candidatura do Mario, cuja plataforma de campanha indicava uma nova postura para o clube.

Revitalização do estádio das Laranjeiras com foco em projeto desenvolvido por um grupo de tricolores, que sinalizavam com a construção de uma arena com capacidade para cerca de quinze ou dezesseis mil espectadores a custo zero para o clube, transparência total sobre a situação financeira e negociações de atletas e principalmente votação “on-line” para os sócios torcedores.

Nada disso foi cumprido: transparência não existe, preferência por um estádio minúsculo, digno de time de várzea a ser construído às expensas do clube e que praticamente não será utilizado pelo time principal, crescimento das perdas das revelações, algumas de graça por pura incompetência administrativa e desculpas esfarrapadas sobre a ausência de votação “on-line”.

Dispensável nominar os craques que perdemos pelas administrações deletérias visto que a quase totalidade dos torcedores tricolores já os conhece sobejamente, mas não se pode deixar de citar o caso escabroso do Evanilson, que aliciado por seu empresário, assinou um pré-contrato secreto e deixou o clube a ver navios.

E o que mais espanta, é o fato do empresário antiético continuar dando as cartas dentro do Fluminense.

Pena que até agora ainda não apareceu nenhum candidato capacitado e realmente compromissado a fazer o Fluminense retornar ao seu papel de protagonista para fazer frente à atual administração nas próximas eleições.

Torço para que isso aconteça para o bem do Fluminense e satisfação dos torcedores sofridos e desiludidos como eu.  

Saudações Tricolores.

domingo, 8 de maio de 2022

Histórias vividas com o Fluminense: 9 - “É melhor o teu Botafogo começar a jogar”

Tinha tudo para ser um jogo normal.

Um clássico com o Botafogo numa das rodadas iniciais do Torneio Rio São Paulo de 1965.

O Botafogo tinha mais craques: Manga, Gerson, o "Canhotinha de Ouro", Garrincha, Jairzinho, Roberto Miranda, dentre outros.

O time do Fluminense era mais modesto.

Seu principal jogador era Amoroso, contratado junto ao Botafogo no ano anterior e tendo se tornado o artilheiro tricolor no título de campeão estadual daquele ano.

Contava também com duas promessas: Evaldo, cria da base tricolor e Antunes, o irmão do Zico e Edu.

Ao longo do tempo, tive oportunidade de assistir algumas declarações do próprio Zico afirmando que Antunes era o melhor da família, mas que não se ligava muito no futebol. Preferiu fazer faculdade e partir para outra carreira. Falta de sorte do Fluminense. .

Evaldo era uma grande promessa, mas que acabou brilhando mesmo no Cruzeiro, o que prova que a falta de sensibilidade de nossos dirigentes em liberar revelações antes da maturação parece estar no DNA dos que se dispõem a exercerem a função de presidente do Fluminense.

Dois remanescentes da tragédia de 1957: o próprio Garrincha, que havia detonado a defesa tricolor naquele dia nefasto e Altair, seu marcador, agora mais experiente e seguro.

De caso pensado não daria para ir ao Maracanã porque a chance maior de vitória pendia para o lado alvinegro.

Mas sabe como é, tricolor que se presa tem a esperança de vitória sempre viva, como diz o próprio hino.

E nesses últimos anos então, só mesmo com muita esperança no coração para nos encorajar a assistir horrorosas apresentações, a maioria pela covardia e falta de criatividade dos treinadores contratados por administrações acéfalas, sem o mínimo conhecimento sobre o esporte que já foi o carro-chefe do clube.

Deixando as lamúrias de lado, voltemos àquela noite, que nos deu tanta alegria.

E lá estávamos nós, meu fiel escudeiro Mauro, de tantas saudades e eu, sentados num dos degraus centrais das arquibancadas, descontraídos porque afinal era uma partida pelo Torneio Rio - São Paulo, de importância relativa para nós.

As pernas tortas de Garrincha ainda causavam certo arrepio aos tricolores em face da goleada de 6 a 2 na decisão de 1957, quando foi o dono do jogo.

Queríamos vencer o algoz, mas nem de longe pensávamos que aquele seria o dia de devolver a goleada e com juros.

O jogo começou com o Fluminense partindo para cima à toda.

O Botafogo utilizava-se da linha de impedimento, a popular “linha burra”, com sucesso, tanto que nos primeiros minutos Armando Marques assinalou três ou quatro impedimentos em que nossos atacantes se encontraram frente a frente com Manga.

Começamos a achar que poderíamos vencer porque  o Botafogo só se defendia.

Até que num dos primeiros contra-ataques Jairzinho abriu a contagem.

O jogo mal tinha começado e já estávamos perdendo.

Foi quando um botafoguense atrás de nós, deliciando-se com o  sofrimento dos tricolores, sapecou em nossa direção o mais alto que pôde a seguinte pérola: “O Botafogo ainda não começou a jogar e já está ganhando”.

O Flu continuou em cima e seus atacantes quase sempre se encontravam impedidos.

Nas poucas vezes que conseguiam arrematar a bola ia fora ou o Manga pegava.

Esse cenário ruim durou ainda cerca de vinte, vinte e cinco minutos.

A diferença entre os dois times estava no banco. O técnico tricolor era  Elba de Pádua Lima, o Tim, jogador que brilhara no próprio Fluminense e na Seleção Brasileira.

Ele já havia percebido desde cedo como aniquilar a tática adversária, mas custou a transmitir a solução a seus jogadores porque naquela época os técnicos eram proibidos de dar instruções com os jogos em andamento.

Até que alguém se contundiu ou fingiu contundir-se e a instrução acabou sendo passada pelo massagista.

Aí virou covardia.

Evaldo, Antunes e Amoroso na sequência viraram para 3 a 1 ainda no primeiro tempo.

O botafoguense folgado manteve-se calado, mas nós ainda estávamos entalados com sua arrogância inicial.

Começou o segundo tempo e antes dos dez minutos Antunes fez o quarto.

Aí o Mauro não aguentou. Virou-se para trás e esbravejou: “Olha aí meu chapa, vê se manda o teu Botafogo começar a jogar senão vai levar uma goleada homérica”.

Os tricolores em maioria caíram na gargalhada.

O cara não tossiu nem mugiu, ficou na dele.

A partir daí foi uma festa só. Gilson Nunes e Evaldo elevaram o placar para 6.

Gerson, de pênalti, diminuiu, mas não deu nem para comemorar porque pouco depois o Fluminense fez o sétimo com Gilson Nunes.

Em meio à euforia, percebemos que o botafoguense tinha sumido.

Enfim, uma goleada sobre Garrincha. Eles não tinham mais Newton Santos, Didi e Paulo Valentim, mas contavam com Gerson, Jairzinho e Roberto Miranda, que viriam a ser bicampeões cariocas em 67 e 68 e campeões do mundo em 1970.

Voltamos felizes e livres do estigma da goleada alvinegra.

A partir daí só alegria contra eles, goleada em título estadual e dois campeonatos brasileiros com a maioria dos jogos em pleno Engenhão, inclusive as finais do Estadual de 2012 e do Tri do Brasileirão de 2010, fatos que permitiram`aos torcedores tricolores batizar o estádio de "nosso salão de festas".

O segredo do Tim? Muito simples. Orientou os seus jogadores a passarem a bola sempre para uma das pontas e aquele que recebesse o passe deveria cruzar para a extremidade oposta e não mais tentar os lançamentos em profundidade, único modo da “linha burra” obter algum êxito.

Foi a sopa no mel. Os atacantes partiam sempre depois do passe e chegavam à frente dos defensores em condições legais e aí era só partir para o abraço.

E se não fosse o desempenho fora do normal de Manga, o escore poderia ter sido mais elástico ainda.  

Valeu Tim e como.

Graças a você devolvemos a goleada sobre o Garrincha, que dessa vez não passou de um simples “joão” nos pés de Altair.

Na manhã seguinte, os jornais davam destaque à goleada sofrida pelo favorito.

 


Cabe destacar os comentários do jornalista Ricardo Serran, publicado no "O GLOBO", dos quais alguns excertos foram extraídos:

“Lembram daquela história do espectador que ia diariamente ao circo para ver o domador colocar a cabeça na boca do leão domesticado? Os que ficaram em casa e não acreditaram que em futebol tudo pode acontecer, deixaram de ver a noite do leão... O Botafogo afinal era o franco favorito contra um Fluminense que no ativo contava apenas com os 3 x 0 do domingo contra o Corinthians, o que não marcava muito por conta do que tem feito o quadro paulista. Dirão que o futebol não tem lógica, mas pelo retrospecto puro o Fluminense é que deveria ser o favorito, pois o Botafogo perdeu para o mesmo Corinthians por 2 x 0 no domingo anterior. Mas, a única explicação para o placar alarmante de 7 x 2  na noite de ontem imposto pelo Fluminense ao alvi-negro, está na tática (!) empregada por Geninho, que talvez fosse válida no tempo em que o hoje o Sir Stanley Matthews começou a carreira no Stoke.

...O Botafogo estava jogando erradamente. Avançando os zagueiros até o meio de campo a fim de colocar os avantes contrários em impedimento, foi coisa que achávamos perdida nos tempos, pois em 1929 vimos no Estádio do Fluminense o Chelsea, então da 2ª divisão da Liga Inglesa, empregar o recurso sem sucesso. De lá para cá, quando falha a imaginação, outros têm tentado ressuscitar a velha e falecida tática, que só faz sucesso contra os ingênuos. Não era segredo para ninguém que Tim se prevenira contra a hipótese da repetição ontem do apelo alvi-negro ao passado distante”.

Ricardo Serran

 


  Continua com: O rubro-negro que vibrou com o Fluzão.